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    Celso Rocha de Barros

    Seria bom começar de novo as discussões de 2015, mas falando sério

    02/01/2017 02h00

    Daniel Marenco - 24.set.2014/Folhapress
    A ex-presidente Dilma Roussef e o atual presidente, Michel Temer, durante a campanha presidencial de 2014
    A ex-presidente Dilma Roussef e o atual presidente, Michel Temer, durante a campanha de 2014

    A expectativa de que a economia melhoraria substancialmente com o impeachment não se concretizou. Há, dentro do próprio campo governista, quem critique a equipe econômica pelo resultado ruim. Talvez fosse hora de nos perguntarmos se as expectativas é que não eram baseadas em ideias erradas.

    Em um texto publicado na semana passada, o jornalista Fernando Dantas, do jornal "O Estado de S. Paulo", saiu em defesa da equipe econômica. Ressaltou que nunca houve economista sério que considerasse a tarefa do novo governo fácil.

    Dantas chamou a atenção para o fato de que o manifesto "O Ajuste Inevitável", de Marcos Lisboa, Samuel Pessôa e Mansueto Almeida, já mostrava que a economia tinha problemas fiscais de longo prazo.

    O manifesto foi uma das principais fontes usadas na elaboração do documento "Ponte para o Futuro", que tanta estranheza causou em 2015, nem tanto pelo PMDB abraçar ideias liberais, mas sim pelo PMDB abraçar quaisquer ideias que fossem.

    Dantas tem razão em dizer que havia um diagnóstico bem embasado de que a crise brasileira era profunda e exigiria reformas difíceis.

    Eu li "O Ajuste Inevitável" e sei que o diagnóstico está lá. Eu assisti seminários acadêmicos em que ficou claro que o ajuste necessário não era apenas conjuntural. Me parece evidente que a tarefa da equipe econômica é mesmo difícil. Também seria difícil se Dilma Rousseff ainda fosse presidente.

    Mas não foi isso que a propaganda do impeachment disse ao público brasileiro.

    Vejam esse trecho do texto de Dantas: "Os erros crassos da nova matriz agravaram muitíssimo o fim coincidente de dois ciclos, de certa forma ligados: o boom de commodities e o período em que um crescimento anormalmente forte da receita pública no Brasil mascarou o desequilíbrio fiscal estrutural".

    Não tenho nenhuma objeção a esse diagnóstico, que não absolve, em absoluto, a Nova Matriz Econômica. Mas foi isso que foi dito à população brasileira durante a guerra do impeachment?

    Pelo que me lembro, não. Ao público brasileiro foi dito que os problemas eram a corrupção do PT e a falta de confiança na disposição de Dilma para fazer o ajuste. Se fosse só isso, deveríamos estar bem melhor do que estamos. O público tem razão de se sentir frustrado.

    Confiram, na página do Movimento Brasil Livre no Facebook, a reação de seus seguidores diante da reforma da Previdência. Chequem a reação dos seguidores de Jair Bolsonaro à PEC do teto de gastos. Procurem uma notícia sobre qualquer uma das reformas, leiam os comentários: vejam quanta gente que acha que o fim da corrupção tornaria o ajuste desnecessário. Essas pessoas foram bem informadas em 2015/2016?

    Não é muito provável que sejam melhor informadas em 2017. As delações vêm aí, e cada lado sentirá a tentação de voltar a demonizar o outro para fazer a própria corrupção parecer menos pior do que a do adversário.

    Mas seria, sim, bom se pudéssemos começar de novo as discussões de 2015, agora já sabendo que a crise tem várias causas e que os candidatos preferidos de todos os lados serão delatados na Lava Jato. A mesma discussão, mas agora falando sério.

    Enquanto isso, cabe aos vencedores de 2015/2016 administrar a insatisfação e explicar os, digamos, mal-entendidos para um público cada vez menos paciente.

    celso rocha de barros

    É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. Escreve às segundas.

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