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    Celso Rocha de Barros

    O acordo que precisa ser feito não é contra a Lava Jato

    13/02/2017 02h00

    Pedro Ladeira/Folhapress
    Brasilia,DF,Brasil 06.02.2017 Presidente Michel Temer durante solenidade de anuncio das novas medidas no programa Minha Casa minha vida. O ministro Alexandre de Moraes participa tambem. No palacio do planalto. Foto: Pedro Ladeira/Folhapress cod 4847
    Presidente Michel Temer durante solenidade no Palácio do Planalto

    O Brasil vive um momento de duro ajuste fiscal, com grande custo para a sociedade, em especial para os mais pobres. E nossos líderes estão envolvidos em detalhadas negociações, conversas difíceis em que deixam de lado qualquer partidarismo para garantir que um acordo satisfatório seja alcançado o mais rápido possível. Só é uma pena que a conversa não seja sobre a crise.

    A conversa suprapartidária em curso é sobre parar a Lava Jato. Aí todo mundo é só bom senso e espírito de conciliação. Na semana passada, o bloco "Me Anistia que eu Gamo" começou seu pré-Carnaval com a nomeação de Moreira Franco como ministro, continuou com a indicação de Alexandre de Moraes para o STF, gerou expectativas com os possíveis nomes para o Ministério da Justiça e anunciou os nomes de sua Comissão de Frente, Constituição e Justiça. Gilmar Mendes é o autor do samba "Me Prende, Mas Só Até Quarta-Feira".

    Naturalmente, a conversa suprapartidária que deveria estar acontecendo era outra. E, sem essa conversa, vai ser mais difícil continuar a Lava Jato no mesmo ritmo.

    Se quisermos ajudar a Lava Jato a cumprir sua promessa, o que podemos fazer é baixar o custo da instabilidade política que as delações vão causar. Podemos fazer isso estabelecendo um acordo mínimo sobre o ajuste fiscal, que envolva esquerda e direita e aumente a chance de que a eleição de 2018 não derrube a recuperação econômica.

    Se a recuperação econômica não depender da continuidade da rapaziada de sempre no poder, muita gente que está evitando bater no governo (ou na direção dos partidos de oposição) tomará coragem para fazê-lo.

    Nada trabalha mais pelo acordão do que a crise. Os empresários demonstram indisfarçável tolerância com as articulações políticas em curso. É compreensível: há empresários (grandes e pequenos) que sabem que vão quebrar se a economia não melhorar logo. E é indiscutível que a crise política transformou uma crise feia em uma crise horrenda.

    Não é que os empresários torçam pelos corruptos: eles só querem normalidade o mais rápido possível, e isso não é o que a Lava Jato promete para os próximos meses. Milhões de trabalhadores com medo de perder emprego compartilham essa preocupação.

    Mas, se esquerda e direita concordarem com um programa mínimo que preserve o ajuste fiscal, mas tire educação e saúde do congelamento de gastos; que inclua uma reforma da Previdência razoável; que estabeleça níveis de tributação para os ricos típicos de países decentes; nesse caso, podemos garantir a estabilidade social de que precisamos para sair da crise.

    Reduziríamos o risco de populismo em 2018, e seria mais barato desestabilizar o bloco no poder antes disso. Não dependeríamos de circunstâncias incertas, como, por exemplo, alguma autoridade brasileira estar fora da cadeia em dezembro. E, nessa negociação, talvez surgissem lideranças políticas razoáveis para substituir o pessoal que vai em cana.

    Feche esse acordo, desamarre o ajuste da turma que está no poder, dilua um pouco o ajuste, se for necessário fazê-lo para alcançar um consenso, e, aí sim, compre pipoca para ver o pessoal caindo. Sem isso, o Brasil pode ter que escolher entre a Lava Jato e o fim da crise econômica. E a culpa será nossa, pois não teremos feito o acordo certo.

    celso rocha de barros

    É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. Escreve às segundas.

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