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    Celso Rocha de Barros

    Em países escandinavos, flexibilização trabalhista foi comprada caro dos trabalhadores

    01/05/2017 02h00

    Keiny Andrade/Folhapress
    SAO PAULO - SP - 28.04.2017 - GREVE GERAL - SOBREVOO. Manifestantes se concentram no Largo da Batata. FOTO: KEINY ANDRADE/FOLHAPRESS
    Manifestantes se concentram no Largo da Batata durante greve geral.

    Subestime a greve geral de sexta-feira (28) quem quiser. Categorias importantes pararam e grandes cidades brasileiras tiveram reduções significativas de movimento.

    Isso tudo aconteceu sem cobertura da TV na véspera e com cobertura da PM no dia. E na mesma semana em que dois partidos que precisam de votos entre os potenciais grevistas, PSB e Solidariedade, resolveram discutir a relação com Temer.

    Sozinha, a greve geral não deve reverter os votos já, digamos, transacionados para aprovar as reformas. Mas talvez ela seja vista, daqui a algum tempo, como início de uma nova fase na relação entre capital e trabalho no Brasil. Afinal, o sistema político brasileiro deixou de funcionar como lugar de negociação de conflitos redistributivos.

    Em uma democracia funcional, a reforma trabalhista da semana passada talvez fosse aprovada. Há argumentos defensáveis para nos movermos em direção a um sistema onde mais coisas sejam negociadas entre sindicatos e patrões, ao invés de legisladas.

    As sociedades mais bem-ordenadas do mundo, os países escandinavos, têm normas trabalhistas bastante flexíveis.

    Mas o que faz desses países as sociedades mais justas do mundo é que essa flexibilização das relações de trabalho foi comprada bastante caro dos trabalhadores.

    Duas coisas equilibram as negociações salariais no modelo escandinavo.

    Em primeiro lugar, um Estado de bem-estar social extremamente generoso, que custa muito dinheiro em impostos, inclusive, vejam só que diferença cultural interessante, impostos pagos pelos ricos. Não há perspectiva do Estado de bem-estar social brasileiro se expandir no curto prazo.

    Em segundo lugar, centrais sindicais fortíssimas, que reúnem grande parte da população e conseguem negociar acordos muito bons para os trabalhadores. Se os defensores da reforma trabalhista brasileira vissem um sindicato escandinavo pela frente, fugiriam chorando e pedindo que a Otan o bombardeasse.

    Já aqui no Brasil, a flexibilidade foi comprada com distribuição de cargos para 300 sujeitos com medo da polícia no Congresso brasileiro.

    Resta a greve, e não só a de sexta: o "negociado" que de agora em diante vai prevalecer sobre o legislado será obtido sob ameaça de greve, ou será uma farsa.

    É uma questão em aberto se o acirramento dessas negociações levará a um sindicalismo forte e capaz de negociar responsavelmente em nível nacional ou à multiplicação de corporativismos.

    E há um outro cenário possível, que é a degeneração completa da sociedade civil brasileira, com a perda definitiva de poder de barganha dos trabalhadores. Talvez tenhamos uma longa fase de capitalismo selvagem que pode, sim, gerar crescimento, mas com um preço em democracia e civilidade.

    Analisar uma sociedade dessas com mais do que marxismo vulgar será desperdiçar conceito.

    Aceito colocar na mesa de negociação uma reforma trabalhista que valorize as negociações diretas entre capital e trabalho, e, aliás, acho uma boa ideia ter essa conversa.

    Mas antes quero saber quanta redistribuição de renda o empresariado está disposto a oferecer em troca da flexibilização. Isto é a maneira civilizada de conduzir a luta de classes, é como se faz nas sociedades bem-ordenadas.

    Aqui, ao invés disso, compra-se o "centrão". Nos últimos dois anos, a fraude de classes foi o motor de nossa história.

    celso rocha de barros

    É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. Escreve às segundas.

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