Em março de 2016, a revista britânica "The Economist" publicou um artigo com o título "O Drama de Lula", em que discutia as acusações contra o ex-presidente no âmbito da Lava Jato. Apresentava a operação, reconhecia seus méritos, e registrava que o cientista político André Singer referia-se aos procuradores de Curitiba como o "Partido da Justiça".
Apresentava Lula, reconhecia seus méritos, e listava as acusações contra o ex-presidente. E terminava dizendo: "O Brasil deve ver um longo combate entre o Partido da Justiça e o líder que incorporou mais poderosamente a causa da justiça social. A tragédia é não estarem do mesmo lado". A tragédia é mesmo esta, e vai ser triste assisti-la encenada em Curitiba essa semana.
Para quem acompanhou a história de lutas do PT e os excelentes resultados de seus governos na área social, é melancólico assistir à conversão da candidatura Lula em possível tábua de salvação da classe política acusada na Lava Jato. Se isso acontecer, a candidatura Lula será um perfeito equivalente funcional do impeachment de Dilma Rousseff e será apoiada mais ou menos abertamente por todo mundo que bancou o impeachment sabendo o que estava fazendo.
Por outro lado, é difícil negar que o Partido da Justiça foi, no mínimo, complacente, e, com toda probabilidade, participante, na transformação da Operação Lava Jato em arma política da direita contra Dilma Rousseff em 2016.
A condução coercitiva de Lula, o vazamento dos áudios no "Jornal Nacional", o PowerPoint meio ridículo, tudo isso era inteiramente desnecessário ao andamento dos processos, mas, nos dois primeiros casos, foram momentos decisivos na guerra do impeachment. E nenhum espetáculo semelhante foi montado durante o governo Temer. Esse histórico dificulta muito a mobilização de esquerda a favor da Lava Jato agora que a operação é atacada pelos conservadores.
Teria sido possível evitar a tragédia?
Talvez não. Talvez redistribuição de renda e investigações de corrupção fossem ambas mais prováveis em um governo de esquerda, porque a coalizão que apoia redistribuição de renda sempre foi mais fraca e menos capaz de barrar investigações. Uma alternativa a isso teria envolvido uma coalizão diferente, que nunca existiu.
Para além dos fatores estruturais, há também uma dimensão no embate entre Lula e Moro em que caráter talvez tenha sido destino. Se Lula fosse o tipo de sujeito que aceita o martírio político para quebrar o sistema político corrupto brasileiro em 2003, não seria o tipo de sujeito que governou moderadamente beneficiando milhões de brasileiros pobres. Se Moro fosse mais capaz de pensar em consequências políticas, talvez não tivesse sido firme na condução de uma investigação que quebrou o sistema político ao meio.
Lula teria sido um juiz complacente e Moro, um presidente inábil. Mas é impossível dissociar os defeitos das qualidades em ambos os personagens. É o tipo de conflito de personalidades que pode gerar bons romances históricos.
O mais triste é que, enquanto estivermos assistindo o duelo entre justiça social e combate à corrupção em Curitiba essa semana, continuaremos sendo governados pela turma que não está preocupada nem com uma coisa, nem com a outra. Resta esperar que as bandeiras representadas por Lula e Moro se reencontrem no debate político brasileiro dos próximos anos.
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Depoimento de Lula, como testemunha, por videoconferência a Moro em novembro passado |
É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. Escreve às segundas.