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    Celso Rocha de Barros

    A democracia é confusa, mas é a única opção para o brasileiro não otário

    26/06/2017 02h00

    O quadro político brasileiro se deteriora lenta e sonambulamente, sem enfrentar resistência das ruas. Mas há um grande momento da verdade chegando, as eleições de 2018.

    Pela primeira vez desde o impeachment, a opinião do eleitor voltará a ter importância. O eleitorado é fortemente pró-Lava Jato. As reformas econômicas também terão que ser temperadas com concessões ou promessas críveis de crescimento robusto. Não será fácil conduzir a política em 2018 só em gabinetes de Brasília e congressos empresariais, como ela foi conduzida desde 2015.

    Mas 2018 será mesmo uma ruptura? É difícil saber, e é aconselhável administrar bem as expectativas.

    A situação atual brasileira é uma espécie de transição de sistema econômico, de um capitalismo de compadrio para sabe-se-lá-o-quê. Nenhuma transição desse tipo rompeu inteiramente com os quadros do antigo regime de uma hora para outra. Mesmo que haja uma renovação, quadros do velho fisiologismo continuarão importantes, e será necessário tentar converter gente que começou na política como picareta às novas regras.

    O crucial é que as novas regras sejam, de fato, implantadas, e que as investigações (e punições) não parem.

    No caso das transições pós-comunistas, o cientista político Joel Hellman apontou para o risco da sub-reforma, que foi o que acabou prevalecendo na região da antiga União Soviética (mas não em outros países pós-comunistas): os vencedores da primeira rodada de reformas podem parar o processo no meio, enquanto estão ganhando.

    Se, como resultado da Lava Jato, algo como um grande PMDB passar a governar o Brasil, teremos ficado presos na armadilha da sub-reforma. É notável, aliás, como a crise de PT e PSDB fortaleceu muito mais as velhas estruturas que os parasitavam do que alternativas reais e mais modernas.

    Mas digamos que, em 2018, um programa de renovação vença. O novo governo precisará formar uma coalizão para governar. Com que apoio no Congresso, entre governadores e prefeitos, entre empresários e sindicatos, administrará o país? É absolutamente impossível que toda essa gente passe imediatamente para a órbita do outsider (podem, é claro, mentir que passaram).

    Devemos, portanto, estar prontos para administrar uma série de equilíbrios temporários entre o velho fisiologismo e a renovação política. Isso, aliás, também é verdade caso PT e PSDB se renovem por troca de gerações. A esperança é que cada equilíbrio seja mais favorável à renovação do que o anterior, e que o processo ande tão rápido quanto possível.

    O primeiro critério para votar bem em 2018 é, portanto, escolher alguém disposto a administrar essa tensão dentro das regras democráticas. Votar no sujeito que vai quebrar tudo que está aí costuma ser votar pela última vez. A democracia é bagunçada e confusa, mas é a única opção disponível para o brasileiro não otário. Só na democracia juízes e policiais trabalham sem medo do governo.

    A transição para além do capitalismo de compadrio pode ser difícil, mas é exatamente a que precisa ser feita no Brasil. Se estivermos falando sério sobre construir um país desenvolvido, precisaremos administrá-la como adultos. Se, sob Temer, o risco é nossa apatia, no pós-Temer o risco pode ser o excesso de expectativas.

    celso rocha de barros

    É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. Escreve às segundas.

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