• Colunistas

    Saturday, 28-Sep-2024 14:04:39 -03
    Celso Rocha de Barros

    Eleito sem votos de pobres, Temer montou coalizão sem presidencialismo

    06/11/2017 02h00

    Pedro Ladeira - 12.mai.2016/Folhapress
    O presidente Michel Temer na posse de seu ministério

    Em artigo publicado na "Ilustríssima" de 29 de outubro, o cientista político Carlos Pereira apresentou os resultados de sua pesquisa (realizada com o também cientista político Frederico Bertholini) que procurou medir o "custo de governança" dos últimos governos brasileiros. Sua pergunta é: quantos ministérios, recursos para ministérios e emendas parlamentares precisaram ser distribuídos para que o presidente da República conseguisse aprovar seus projetos no Congresso? Com base nessa medida, concluiu que os custos de governança de Temer são menores do que os de FHC, Lula e Dilma.

    Pereira é um dos grandes cientistas políticos brasileiros. Seus resultados são interessantes e contra-intuitivos. Teria sido bom incluir na conta da governança o custo, para o público, de medidas regulatórias aprovadas que interessam às bases de apoio e financiamento dos parlamentares (o que chamei de "bitCunhas" ). Mas isso é mesmo difícil de medir.

    Minha objeção mais séria é à visão geral sobre o Brasil atual que as conclusões de Pereira parecem ter sugerido a outros comentaristas. O baixo custo de governança e a alta taxa de aprovação das medidas propostas por Temer foram interpretadas como um sinal de maior habilidade e competência política do atual governo.

    Não são nada disso.

    A solução de Temer para o problema da governança do presidencialismo de coalizão foi excluir da equação o presidencialismo. Nos governos FHC, Lula e Dilma, uma visão geral de país foi expressa pela população na eleição presidencial, e precisou negociar com os interesses legítimos expressos no voto parlamentar. Isso era difícil, mas, como ficou claro nos trabalhos de Pereira e de outros autores, deu mais ou menos certo por um bom tempo.

    Temer não representa um programa que tenha passado pelo crivo das urnas. Sua adesão à "Ponte para o Futuro" foi uma tática de obtenção de apoio empresarial para o impeachment. Algumas das medidas propostas são, a meu ver, boas para o país. Mas não é por isso que estão sendo implementadas.

    FHC, Lula e Dilma não podiam distribuir todos os ministérios e cargos para a base aliada porque representavam um programa sancionado pelo eleitorado, que precisava ser aplicado. Por isso os três "blindaram" vários ministérios (Educação, Saúde etc.) que não eram usados como moeda de troca com a base aliada. Se tivessem entregue tudo que a base aliada queria, certamente teriam aprovado mais coisas no Congresso. Mas, neste caso, não estariam cumprindo o mandato que receberam das urnas.

    Tendo sido eleito sem um único voto de pobre, Michel Temer não tem esse problema. Se a população pobre não tiver poder de veto, a estratégia de sobrevivência para o poder político será sempre capitular diante das elites econômica e política. É o que Temer está fazendo, com sucesso. Mas isso não é sinal de boa gestão do presidencialismo de coalizão, é sinal de seu colapso em um parlamentarismo bananeiro.

    Ainda não sabemos se a dívida democrática será cobrada em 2018, ou se as reformas produzirão crescimento suficiente para ajudar a amortizá-la. O que é claro é que o Brasil teve um sistema político funcional (e subestimado) entre 1994 e 2014, mas não tem mais nada remotamente parecido com isso.

    Editoria de Imagem
    Gráfico mostra evolução dos sete últimos mandatos presidenciais
    celso rocha de barros

    É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. Escreve às segundas.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024