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    Cláudia Collucci

    Enchendo a cara 'socialmente'

    11/04/2013 16h04

    A reportagem que trata do aumento do consumo de álcool por mulheres e, mais ainda, o depoimento de Sueli, estão dando o que falar. Um questionamento que me ocorreu (e também a várias amigos e amigas) é se as pessoas que não estão enquadradas na categoria de alcoólatras, mas que também bebem além da conta e fazem inúmeras besteiras, iriam se identificar com um caso extremo como o da Sueli, por exemplo. Talvez não.

    É o que diz uma amiga que acaba de me escrever:

    "Ao ler os resultados da pesquisa, rapidamente me identifiquei e identifiquei uma grande parte de minhas amigas no perfil de mulheres que consomem mais de 4 doses de álcool, às vezes, mais de 1 vez por semana, fugindo do padrão de consumo social.

    No entanto, ao ler o depoimento da Sueli, imediatamente senti uma estranheza pelo fato de que nem eu e nem minhas amigas não chegamos nem perto de nos identificar com a experiência dela e é isso que eu gostaria de falar.

    O resultado desta pesquisa é impressionante e altamente relevante. Sua divulgação é fundamental para que não só profissionais, como usuários e familiares se deem conta de que este é, sim, um problema social e de saúde pública. Agora, no momento que uma de nós lê o depoimento, automaticamente nos excluímos dessa "categoria" de dependentes, já que isto não faz parte de nossa realidade e dificilmente fará.

    A história de Sueli é muito diferente da maioria das histórias das mulheres que se enquadram no resultado dessa pesquisa: não fomos abandonadas e não tivemos a bebida interferindo tão proximamente em nossa infância (com tantos alcoolistas).

    Não começamos a consumir bebida alcoólica tão cedo, não tivemos filhos por acidente e sem sequer saber quem era o pai, não costumamos beber durante o dia (exceção para um churrasco num feriado ou final de semana), não batemos ou abandonamos nossos filhos, não tivemos tantas amnésias alcoólicas, não misturamos com tanta frequência bebidas, não bebemos grávida, não nos envolvemos em acidentes sérios e não prejudicamos nosso trabalho em função da bebida.

    No entanto, a maioria das vezes que bebemos, consumimos, sim, mais de seis doses, abusamos, sim, da bebida pelo seu potencial de entorpecer, dirigimos, sim, alcoolizadas colocando nossa vida em risco e das pessoas que estão conosco e por vezes causamos infrações e pequenos acidentes.

    Acordamos, sim, de manhã com um cara que nunca vimos antes, nos lembramos e nos envergonhamos de muitas coisas que dissemos ou fizemos ao longo da noite, tivemos dias difíceis no trabalho em função de uma ressaca, ficamos mais impacientes e sem vontade de brincar com nosso filhos, nos sentimos deprimidas, fumamos demais quando bebemos e, não raro, usamos algum tipo de droga ilícita em alguns dias durante o consumo de álcool.

    Minha amiga tem toda a razão. São poucas as pessoas que podem se dar ao luxo de dizer: eu nunca enchi a cara, eu nunca perdi o controle após uma bebedeira.

    Uma outra amiga me conta: "uma vez eu enchi a cara e não me lembro como cheguei em casa", outro amigo revela: "já transei com uma menina sem camisinha numa balada". Uma outra diz: "já dirigi inúmeras vezes bêbada, entrei na contramão e bati o carro na garagem de casa".

    Enfim, é só sentar com um grupo de amigos que as histórias de bebedeira vão aparecendo.

    Depoimentos como o da Sueli são impactantes. Fazem-nos pensar e talvez refletir um pouco a forma como consumimos álcool. É um tema importantíssimo e que todos nós deveríamos estar atentos, especialmente aquelas (es) que bebem e que acham que está tudo bem ou que é normal, uma vez que nunca aconteceu nada de mais sério. Nada, só por hoje.

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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