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    Cláudia Collucci

    Mais prevenção, menos remédio

    20/08/2013 03h00

    Pouca gente fora da área da saúde conhece o conceito de "prevenção quaternária". Proposto pelo médico belga Marc Jamoulle, ele é definido como o conjunto de ações para evitar ou atenuar as consequências de tratamentos ou intervenções desnecessárias no cuidado do paciente.

    Normalmente, nunca paramos para pensar nisso: terapias desnecessárias ou excessivas ou até aquelas bem indicadas podem fazer mal. Isso tem um nome também pouco familiar ao público leigo: iatrogenia. O termo se refere a doenças ou alterações patológicas criadas por efeitos colaterais dos medicamentos ou de tratamentos.

    Não é um conceito novo. Desde o tempo de Hipócrates que é reconhecido o potencial efeito lesivo das ações terapêuticas no processo de cura.

    Só um exemplo: Um estudo em um hospital universitário nos EUA concluiu que mais de 1/3 das doenças eram iatrogênicas. Dessas, uma em cada dez eram graves e 2% dos casos resultaram em morte. A maioria das complicações esteve associada ao uso de remédios.

    Dados da literatura médica apontam que a iatrogenia provoca em torno de 250 mil mortes por ano nos EUA, metade delas associadas a efeitos secundários de remédios prescritos pelos médicos. Por incrível que pareça, já é a terceira causa de morte por lá.

    Talvez por falta de informação ou por uma questão cultural, não nos damos conta sobre o perigo dos medicamentos. Normalmente, o paciente que sai de uma consulta sem um pedido de exame ou um remedinho fica insatisfeito com o médico, acha que foi mal atendido. O médico, sem tempo ou paciência para o diálogo, pede exame ou prescreve medicamentos sem necessidade. E assim caminha a nossa medicina.

    A ideia da prevenção quaternária é identificar os pacientes em risco de excesso de medicações/tratamentos e sugerir alternativas eticamente aceitáveis.

    A meta é a prevenção do excesso de diagnósticos, de tratamentos e de medicamentos, além de propagar vários alertas, tais como não confundir fator de risco com doença e evitar coisas do tipo:

    - os exames de rotina ("check-up") ou exames complementares desnecessários

    - o intervencionismo tecnológico na saúde

    - o tratamento farmacológico do colesterol alto em prevenção primária

    - o tratamento hormonal de substituição durante a menopausa

    - o uso de antibióticos indiscriminadamente (muitas vezes desnecessários, com o consequente aumento não justificado das resistências bacterianas)

    - o diagnóstico genético desnecessário

    - o sobrediagnóstico e o sobretratamento da hiperatividade e do déficit da atenção

    Pensei sobre isso ao ler a reportagem publicada no sábado sobre as metas para os valores máximos de colesterol "ruim", que vão ficar mais rígidas no Brasil. Pelo andar da carruagem, praticamente todas as mulheres a partir de 45 anos estarão sujeitas a receber prescrição de estatina, um despropósito na avaliação de muitos médicos.

    Valeria aqui o velho ditado "é melhor prevenir que remediar". Pena que, mesmo estando na boca e na memória dos brasileiros, ele seja tão pouco aplicado no dia a dia. Atividade física e alimentação balanceada, essas sim são fontes inquestionáveis de saúde física e mental.

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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