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    Cláudia Collucci

    Reações à vacina do HPV já eram previstas

    28/03/2014 19h24

    As reações adversas à vacina do HPV no Rio Grande do Sul já eram previstas e deveriam acender um alerta: por que, afinal, somos tão avessos a conversar, de forma adulta, clara e transparente, sobre os riscos de vacinas, medicamentos e procedimentos de saúde em geral?

    Seis meninas tiveram reações à vacina nesta semana em Porto Alegre e Veranópolis. Apresentaram mal estar, dores musculares e de cabeça, além de náuseas. Uma delas, de 11 anos, sofreu convulsões. Todas agora passam bem, segundo a secretaria.

    Ontem, o governo estadual decidiu recolher 89,8 mil doses de vacina de um único lote distribuído em todo o Estado. As investigações sobre o ocorrido seguem.

    O fato que é, independentemente desses casos ou de outras eventuais reações que possam surgir, é comum por parte dos médicos e dos próprios governos omitir possíveis efeitos colaterais de vacinas. A tendência sempre é supervalorizar os benefícios e esquecer qualquer eventual malefício, ainda que saibamos que até uma aspirina carregue riscos. Nós, da mídia, também incorremos nos mesmos erros. E quando há vozes discordantes, a tendência é desconsiderá-las ou mesmo encará-las como uma afronta à saúde pública.

    Foi o o que ocorreu recentemente com a vacina do HPV. Pouco antes do início da vacinação, os médicos de família questionaram a segurança da vacina. Tratei sobre isso aqui e no jornal impresso, com espaço, é claro, para outras sociedades médicas e o governo se posicionarem. Ainda assim, recebi críticas de que, ao levantar suspeitas sobre a vacina, estaria prestando um desserviço à população.

    Desserviço, na minha opinião, é divulgar informação enviesada ou pela metade. No próprio site do CDC americano há informações sobre efeitos adversos da vacina do HPV. Em uma revisão de relatos, entre junho de 2006 e março de 2013, de 57 milhões de doses distribuídas foram 22 mil eventos adversos. A maioria (92%) foi classificada como "não sérias", como desmaios, náusea, dor de cabeça, febre e urticária. As "sérias" foram classificadas como reações que levaram à hospitalização. Entre elas estão síncopes, fadiga e fraqueza generalizada.

    Baseados em estudos multicêntricos, o CDC, a OMS (Organização Mundial da Saúde) e o Ministério da Saúde consideram a vacina segura e reafirmam que os benefícios (prevenção da infecção do HPV) superam em muito os eventuais riscos.

    Volto a perguntar: por que então não falar claramente sobre isso? Por que os pais não devem ser informados de que, ao receber a vacina, a filha poderá desmaiar, ter náuseas, dor de cabeça, febre? Por que levar um susto gratuitamente, como deve ter ocorrido com os pais no Sul, ao serem surpreendidos com essas reações já previstas? São efeitos passageiros e alertar sobre eles alarmaria a população, fazendo com que ela evitasse a vacinação, dizem os especialistas.

    Mas será mesmo que temos de seguir na ignorância? Não temos maturidade para entender essa relação de riscos e benefícios e tomar uma decisão consciente? Ou será que a influência da indústria de medicamentos e equipamentos é tão grande que sufoca qualquer debate nesse sentido?

    Defendo que, cada vez mais, as pessoas se apropriem da sua saúde e da sua doença. Que busquem fontes de informações confiáveis e independentes, como o centro Cochrane e questionem seus médicos sempre. Perguntar não ofende. Pelo contrário, educa. Ou pelo menos deveria ser assim.

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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