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    Cláudia Collucci

    Decisão que obriga cesariana expõe fratura na relação entre médico e paciente

    02/04/2014 03h01

    A polêmica decisão da Justiça do Rio Grande do Sul determinando que uma grávida de 42 semanas fosse submetida a uma cesariana contra a sua vontade expõe uma fratura na relação de confiança entre médico e paciente.

    O que está em jogo aqui é a autonomia do médico sobre a paciente. O Código de Ética Médica é ambíguo. No artigo 7º assegura a ampla autonomia do médico diante do paciente. Mas o artigo 46 garante a autonomia do paciente. A exceção, em ambas disposições, é o "risco de vida iminente".

    A Constituição brasileira assegura o direito à autonomia a todos os cidadãos ao incluir a determinação de que ninguém pode ser obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

    Mas a legislação penal coloca uma exceção à autonomia: quando se tratar de caso de iminente perigo de vida. Em outras palavras, a nossa legislação garante ao cidadão o direito à vida, mas não sobre a vida. Ele tem plena autonomia para viver, mas não para morrer.

    É nessa exceção que se apoia a médica que recorreu à Justiça: mãe e filha corriam risco de morte, argumenta ela. Certo ou errado, só os laudos vão dizer.

    Há quem defenda que o paciente tenha a máxima autonomia possível, de acatar ou não uma decisão médica. Eu ainda acredito que seja possível construir uma relação em que as decisões sejam compartilhadas.

    Mas para isso os médicos precisam sair do pedestal onde se colocaram há séculos. É preciso que haja troca de informações honestas visando sempre ao bem do paciente (não é isso que está no juramento de Hipócrates?).

    As mulheres têm o direito de optar por um parto natural. A Organização Mundial da Saúde garante isso. Em diversos países do mundo, partos sem riscos são feitos rotineiramente por parteiras. Que mal há nisso?

    Por outro lado, não é possível demonizar a cesariana. Ela, quando bem indicada, salva vivas, como todos sabem. A questão é que o procedimento está tão banalizado que começa a cair em descrédito. A gestante já não sabe mais se realmente precisa se submeter a ele, por uma questão de segurança para ela e para o bebê, ou se a indicação é apenas fruto de comodismo do médico.

    O fato é que um momento tão sublime como o parto não pode se transformar num ringue. Ou numa briga de tribunal.

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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