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    Cláudia Collucci

    Chip contraceptivo reacende debate ético

    08/07/2014 13h34

    Imagine um microchip de computador, medindo 1,5 cm, que contém contraceptivo e pode ser acionado e desativado por controle remoto.

    Ficção? Não. Ele já existe e foi desenvolvido em Massachusetts, nos Estados Unidos, e passa agora pela fase de testes de segurança. Se tudo der certo, chega ao mercado norte-americano em três anos.

    O chip é implantado sob a pele da mulher e libera uma pequena dose do hormônio levonorgestrel a cada dia por até 16 anos.

    Uma das vantagens é poder ser interrompido a qualquer momento por meio de um controle remoto sem fio. O projeto foi apoiado pela Fundação Bill Gates.

    Mesmo em fase de experiência, o projeto já suscita debates no campo da bioética. Em tese, o dispositivo poderia ser ativado e desativado por uma outra pessoa sem o conhecimento da mulher.

    Em entrevista à BBC, o engenheiro biomédico Gavin Corley, um dos responsáveis pelo desenvolvimento do microchip, disse que o produto "mais do que uma necessidade de primeiro mundo, é de aplicação humanitária".

    Ele se refere ao fato desse tipo de tecnologia poder ser utilizado em áreas pobres e distantes onde o acesso a anticoncepcionais tradicionais ainda é limitado.

    A inovação também chega em um momento em que os governos e organizações em todo o mundo concluíram um plano mundial de planejamento familiar com a intenção de atingir cerca de 120 milhões de mulheres até 2020.

    É aí que mora, ao mesmo tempo, uma boa notícia (proporcionar um planejamento familiar a longo prazo) e um perigo em potencial (a possibilidade de contracepções forçadas).

    Temos na história recente inúmeros casos de populações pobres vítimas de esterilizações forçadas. Recentemente a Comissão Interamerticana de Direitos Humanos, em Washington, mostrou que os EUA financiou um programa de controle populacional no Peru, durante a ditadura de Alberto Fujimori (1990-2000).

    O programa esterilizou cerca de 300 mil mulheres. Pelo menos 2.000 disseram que foram enganadas ou forçadas a sumeterrem à cirurgia. À época, a política teve apoio até da ONU (Organizações das Nações Unidas) que via no programa uma forma de "reduzir a pobreza e promover os direitos das mulheres e de minorias".

    O programa, esterilizou, por ligadura de trompas, 314.605 mulheres com idade entre 15 e 49 anos, na maioria pobres e analfabetas, indígenas residentes em áreas remotas da selva amazônica. Muitas delas sequer sabiam que estavam tendo seu útero retirado, outras se submetiam à ligadura de trompas em troca de alimentos.

    Segundo os dados oficiais, pelo menos 18 mulheres morreram devido às cirurgias. Hoje o caso é considerado crime contra a humanidade.

    Os pesquisadores do MIT dizem que, no caso do microchip contraceptivo, estão se cercando de cuidados para que o implante só seja usado com o conhecimento da mulher.

    Além de superar dilemas éticos, o chip contraceptivo também terá que demonstrar sua segurança e seu custo-efetividade até chegar ao mercado.

    Feitas essas ressalvas, a tecnologia parece bem promissora porque poderá ser utilizada para também administrar outros medicamentos. Admirável mundo novo?

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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