• Colunistas

    Tuesday, 07-May-2024 03:35:18 -03
    Cláudia Collucci

    O espetáculo Santa Casa

    23/07/2014 20h55

    A Santa Casa pode fechar, a Santa Casa pode fechar. Quantas vezes não escutamos essa ameaça nos últimos anos vindas das mais diferentes regiões do país? Pois bem, a hora chegou para a Santa Casa de São Paulo, que fechou nesta terça-feira (22) o seu pronto-socorro.

    O fechamento aconteceu da pior forma possível, sem aviso prévio aos pacientes. A mídia mesmo só foi avisada às 16h55, ou seja, uma hora antes do fechamento dos portões. Às 19h, imagens das TVs já estampavam o desespero das pessoas sem atendimento.

    OK, não tem condições, tem que fechar. Por que não avisar com antecedência? A dona Rosana, que saiu da Casa Verde (zona norte) e chegou até lá com um bebê ardendo em febre, merecia passar por isso?

    Se o objetivo era chamar atenção para o problema, o gestor da Santa Casa conseguiu. A liberação dos primeiros R$ 3 milhões, pelo governo do Estado de São Paulo, já aconteceu e a promessa era retomar o atendimento no pronto-socorro nesta quarta-feira.

    E daí? O ralo continua aberto. Não é possível um hospital do porte e da qualidade da Santa Casa viver passando o chapéu e chegar à deplorável situação em que chegou. Sem luva, sem algodão, sem esparadrapo?

    Em 2011, quando houve uma ameaça parecida de fechamento (e a dívida era de R$ 120 milhões, menos da metade da atual), técnicos e diretores do Ministério da Saúde visitaram o local e disseram que seria criada uma equipe tripartite (envolvendo os três governos) para analisar as finanças do hospital. Foi criada? Ninguém sabe.

    É possível que não. Caso contrário, a dívida não estaria em R$ 350 milhões, sendo R$ 50 milhões com só fornecedores.

    O provedor da instituição Kalil Abdalla, no terceiro mandato, diz que o principal problema é a defasagem da tabela SUS, que remunera mal procedimentos médicos e cirúrgicos.

    A tabela está defasada, é verdade. Segundo a Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Estado de São Paulo, a cada R$ 100 gastos, só R$ 65 são pagos pelo SUS, em média. Na chamada assistência de média complexidade, as diferenças entre o pago e o efetivamente gasto, em alguns casos, superam os 200%. Essa realidade já gerou dívidas acumuladas superiores a R$ 15 bilhões no setor dos filantrópicos.

    É necessário, sem dúvida, que o SUS reajuste valores dos serviços prestados. Mas é igualmente urgente que se faça uma auditoria nas contas da Santa Casa, como prometeu o governo paulista, que se apure como esse dinheiro público está sendo gerido e que se puna eventuais irregularidades.

    No início do ano, a chapa opositora à Abdalla nas eleições para a provedoria apresentou uma série de propostas para modernizar a gestão e imprimir mais transparência às contas da Santa Casa, com ajuda de uma consultoria internacional. Será que não é hora de avançar nessa ideia, mesmo que isso contrarie interesses outros que existam dentro da instituição?

    Sei que o caminho de muitas "gestões modernas" passa pela redução do atendimento ao SUS. Há exemplos de hospitais que viviam na pindaíba total e que hoje dão lucro graças ao ingresso dos pacientes de planos de saúde. Por isso, o desafio de um bom gestor no SUS é conseguir fazer a diferença com os parcos recursos públicos. É o que faz, por exemplo, o Hospital de Câncer de Barretos com a ajuda de artistas, leilões de gado etc.

    O momento é de unir esforços e buscar soluções inovadoras para o sistema de saúde. E isso não tem a ver só com mais aporte de dinheiro, que é necessário, quero frisar. Mas do jeito que a coisa está, o que entrar vai sair. É preciso mais. É preciso ter coragem para combater a corrupção ativa e passiva do setor. É preciso melhorar a gestão e cobrar a eficácia dos serviços prestados. É preciso zelar por esse dinheiro público que é seu, que é meu, que é nosso.

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024