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    Cláudia Collucci

    Qualidade dos pronto-socorros está cada vez pior, diz médico

    12/11/2014 20h03

    Após a publicação da última coluna, recebi e-mail de um médico que faz importante alerta sobre o que anda se passando nos bastidores dos hospitais. Muito do que ele coloca não é novidade para os profissionais da saúde, especialmente na área hospitalar. Mas é ótimo que o assunto chegue até nós, pacientes. Leiam abaixo o desabafo do médico que trabalha num hospital privado de São Paulo. Ele pediu anonimato, por razões óbvias.

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    "Em relação à sua última coluna, a realidade é que a qualidade dos pronto-socorros está cada vez pior. Nem na medicina privada temos pronto-socorros suficientes e efetivos. A formação de médicos tem dado medo, ainda piorada com as novas políticas que vem sendo implementadas [abertura indiscriminada de escolas médicas].

    Se você [leitor] precisar de médicos, peça indicação. Essa história de ir de PS em PS, com final infeliz, só se repete. Muitos hospitais das grandes redes só fazem contas. Dá nojo das reuniões. Vejo tanto descaso no dia a dia com pacientes que tá osso. Só arrumo briga com diretor de hospital e de convênio médico.

    Os erros que acontecem no PS, por exemplo a não identificação de um caso de sepse, são resultado de um conjunto todo. Claro que pode haver erro de um médico, mas o sistema tem favorecido o descaso e a baixa qualidade. Só em hospitais de referência há hoje um protocolo efetivo de [prevenção à] sepse. Eles soltam um alarme e tem toda uma rotina pré-treinada para atender esses casos em qualquer setor do hospital.

    É o que poderia ter salvado a Priscila. Na verdade, quase todos os hospitais têm [o protocolo], mas só no papel. Funciona apenas nos grandes hospitais porque o custo de manter essa estrutura é alto. Como hoje muitas operadoras são donas de hospitais, acham que não vale a pena bancar esse custo. Aí você vê a podridão.

    Em um plantão meu, morreu uma criança de quatro anos porque a enfermagem não seguiu a prescrição e não administrou os antibióticos. O menino entrou em sepse. E todo o protocolo tinha sido seguido pelo colega que estava antes de mim no plantão! As variáveis são infinitas. Eu nem atendi o garoto, mas estava responsável no momento da confusão..."

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    Espero que médicos, gestores hospitalares, governos e agências reguladoras se atentem para isso. É inaceitável que mortes evitáveis continuem acontecendo dessa forma, quando já existem regras muito claras a serem seguidas para a prevenção de infecções e das complicações delas.

    Quanto a nós, pacientes, precisamos criar a cultura de questionar e cobrar sempre. Exigir dos governantes, dos planos de saúde e dos hospitais o fornecimento de indicadores de saúde. Nos EUA, a taxa de infecção hospitalar de cada instituição, por exemplo, é de domínio público. O paciente pode tomar a decisão sobre qual hospital procurar baseado nessas informações.

    Vocês podem dizer que é ilusão pensar na aplicação disso no Brasil, especialmente no âmbito do SUS, com tanta gente morrendo antes mesmo de conseguir um leito hospitalar. Pode ser. Mas precisamos começar de alguma forma. É a nossa vida que está em jogo.

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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