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    Cláudia Collucci

    Jatene fez coração artificial com peças da Santa Ifigênia

    15/11/2014 13h47

    Adib Jatene morre aos 85 anos, mas pela trajetória construída parecia ter 170. Eram tantas as suas atividades e vocações que às vezes fica até difícil imaginar como cabia tanto talento em um só homem.

    Não bastasse ser uma unanimidade na cardiologia brasileira, com mais de 20 mil operações em seu currículo, expert em políticas de saúde e autor e co-autor de mais de 700 artigos, foi responsável por feitos que muitas vezes passam despercebidos pelo público leigo.

    Entre eles estão a primeira cirurgia de ponte de safena do país e uma série de inovações, como o primeiro coração-pulmão artificial do Hospital das Clínicas, nos anos 1950, e um modelo de oxigenador do plasma, na década de 1960.

    Também inventou uma técnica de correção de artérias transpostas em bebês, que ficou conhecida mundialmente como Cirurgia de Jatene.

    Tinha cabeça de engenheiro, curiosidade quase infantil. E uma dedicação sem limite. Era o nosso professor Pardal.

    Possuía cadeira cativa e nome inscrito na bancada da oficina do Instituto Dante Pazzanese, onde existe um laboratório de equipamentos médicos.

    Nos últimos anos, Jatene trabalhava com afinco na criação de uma versão barata de uma bomba implantável capaz de substituir, temporariamente, o coração de pacientes que estão na fila de espera do transplante.

    Costumava dizer: "eu nunca discuto problemas, apenas soluções". Seu relato à revista "Veja São Paulo", em 2012, deixa claro que ele foi assim desde sempre.

    "Quando surgiram no mundo as válvulas artificiais e nós não tínhamos condições de importá-las para o Brasil, eu só pensava em dar um jeito: 'Como é que eu vou fazer isso aqui?'. E, em 1964, as montamos, com o material disponível no país. Em 1958, para fazer o coração-pulmão artificial do Hospital das Clínicas, fui a uma fábrica pedir para adaptarem um motor e depois comprei peças na rua Santa Ifigênia, que na época já era um polo eletroeletrônico. Sou otimista."

    Adib Jatene fará falta, muita. Especialmente em uma época em que se veem tantas crises de valores éticos na medicina. Resta a esperança de que as lições do professor sobrevivam e sejam multiplicadas.

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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