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    Cláudia Collucci

    Governo precisa frear entrada de médicos ruins no mercado

    29/01/2015 18h03

    O que esperar de recém-formados em medicina que erram no diagnóstico de uma pneumonia em um bebê de seis semanas ou de uma pancreatite aguda em uma mulher de 45 anos?

    No "provão" do Cremesp, cujo resultado foi divulgado nesta quinta-feira, 67% dos futuros médicos não souberam diagnosticar a pneumonia e outros 37%, a pancreatite aguda. Se estivessem atendendo em um PS, o que não deve demorar para acontecer, seria possível que o pior tivesse acontecido com os fictícios pacientes acima.

    O inacreditável é que não há nenhuma novidade nesta notícia. Desde que o exame se tornou obrigatório, o índice de reprovação dos futuros médicos se mantém nos mesmos níveis, acima de 50%.

    Isso porque a gente está falando da nata da medicina no país, egressos das mais renomadas escolas médicas. Para quem não sabe, todo estudante que se formou em medicina e quer se inscrever no conselho paulista precisa fazer o exame para poder tirar o registro do CRM (Conselho Regional de Medicina) e atuar como médico no Estado.

    Apesar de ser um exame obrigatório, mesmo quem for reprovado também pode obter o registro porque, por força de lei, o conselho não pode condicionar o registro médico ao resultado de uma prova. Para tanto, seria preciso uma lei federal, como acontece com a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

    E por que a gente ainda não tem um exame nacional que impeça a entrada de maus profissionais no mercado? Porque parece que a prioridade do governo federal tem sido abrir mais escolas médicas e não investir, de verdade, na qualidade dos profissionais que chegam ao mercado. Só em 2014, foram criados 27 novos cursos de medicina, 18 privados e nove públicos. Ao todo o país já tem 246 escolas médicas, 108 públicas e 138 privadas.

    Uma das justificativas para a abertura de mais faculdades de medicina –fora o óbvio interesse econômico– é a falta de médicos no país.

    Mas justifica colocar no mercado médico sem qualificação? Justifica autorizar abertura de escolas sem estrutura mínima, sem corpo docente próprio e qualificado e até sem hospital-escola?

    Em anos anteriores, a Abem (Associação Brasileira de Ensino Médico) e o Ministério da Saúde se posicionaram contrários ao exame do Cremesp, defendendo uma avaliação seriada do aluno: no 2º, 4º e 6º anos do curso. Chegaram a anunciar um novo modelo de avaliação permanente dos estudantes e das escolas médicas. Mas isso não avançou. Por quê?

    O curioso é que a iniciativa do Cremesp de avaliar os futuros médicos de São Paulo não encontra eco entre os outros conselhos médicos. Nenhum outro Estado além de São Paulo aplica testes semelhantes. Por que será? Será que é porque muitos dos conselheiros também atuam nessas escolas médicas?

    O Estado tem que tomar para si a responsabilidade de um modelo de avaliação que confira qualificação ao médico antes que ele chegue ao mercado, a exemplo do que fazem países como os EUA, o Canadá e a Inglaterra. E nós, pacientes, precisamos cobrar isso. É a nossa vida que está em jogo.

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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