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    Cláudia Collucci

    'Melhor morrer de vodca do que de tédio'

    03/03/2015 02h05

    A frase extraída do perfil do Facebook de Humberto Moura Fonseca, o estudante que morreu após 25 doses de vodca em Bauru, está circulando nas redes sociais e deveria servir de mote para um amplo debate sobre as festas universitárias open bar (com bebida liberada).

    Pra começo de conversa, o episódio mostra que não basta a universidade proibir as festas dentro das suas dependências.

    Com isso, só estará transferindo o local de morte de alunos, como aconteceu na festa macabra de Unesp de Bauru, realizada fora do campus e que deixou outras cinco pessoas hospitalizadas pelo excesso de álcool.

    Fora a série de descasos e negligências, como a falta de alvará de funcionamento e de ambulâncias, o caso levanta a seguinte questão: a indústria da bebida, que patrocina esse tipo de evento, também deve ser responsabilizada de alguma forma por isso?

    Pesquisa conduzida pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) mostra que a maior parte (63%) das agremiações estudantis de São Paulo tem apoio, inclusive financeiro, da indústria da bebida para realizar eventos e festas.

    Os contratos são intermediados por nove empresas voltadas ao marketing jovem. O trabalho aponta que 86% das festas promovidas pelas atléticas são open bar.

    Ilana Pinsky, coordenadora da pesquisa, acompanha bem esse fenômeno. Ela relata que, nos últimos cinco anos, a indústria de cerveja penetrou em todas as universidades. "Eventos que antes eram feitos eventualmente, sem estrutura, agora são megafestas, todas com open bar'", diz ela.

    As agremiações relatam benefícios que recebem das cervejeiras: preços mais baratos, estrutura e divulgação das festas e bonificações ao cumprir as metas de vendas.

    Ano passado, a Ambev, líder no ranking das cervejarias na América Latina, disse que condenava o consumo indevido de bebidas e as festas open bar e que esse tipo de confraternização vêm diminuindo. Não é o que parece. Não é o que os vídeos e páginas do Facebook dos jovens mostram.

    Está passando da hora de o país discutir seriamente sobre o consumo excessivo de bebida e os males causados dentro e fora dos ambientes universitários. De acidentes de trânsito a violência doméstica, de cirrose hepática a cânceres de boca, esôfago, estômago e fígado, a lista de males provocados pela bebida é imensa. Ela onera sistemas de saúde, dilacera famílias, acaba com vidas. Será que a vida sem (ou com pouca) bebida é esse tédio todo?

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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