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    Cláudia Collucci

    Homens associam cuidados com a saúde à privação de coisas boas

    24/03/2015 02h00

    Ele adorava uma cerveja no fim do expediente, mais ainda se fosse acompanhada de uma coxinha ou de um X-dog. Sedentário e fumante, estava também com sobrepeso. De janeiro para cá, começou a apresentar desmaios frequentes. Não procurou médico em nenhuma ocasião. Aos amigos e aos familiares, repetia o velho mantra: "não se preocupem, estou bem."

    Na semana passada, meu amigo morreu. Um infarto fulminante, aos 55 anos. A autópsia revelou um coração sofrido, com severas obstruções nas artérias.

    Enquanto ouvia os relatos acima, repetidos por várias pessoas próximas a ele durante o velório, uma questão me atormentava: o que leva alguém tão inteligente e tão bem informado a descuidar tanto da saúde?

    Meu amigo representa bem o estereótipo de muitos homens, que não se cuidam e detestam ir ao médico. Eles associam esses cuidados a uma obrigação desagradável de se privar das coisas boas da vida, de fazer exames e eventualmente tomar remédios. Assim, fogem de eventuais problemas como se isso bastasse para fazê-los desaparecer.

    Tenho um tio que costuma dizer: "eu não vou mais ao médico. Eles sempre acham alguma coisa."

    Voltei a lembrar da frase, já anedótica na família, ao enterrar meu amigo. Posso estar enganada, mas nada me tira da cabeça que meu amigo morreu porque não se cuidou. Alguns colegas defendem o livre-arbítrio: "Ele viveu e morreu do que jeito que sempre quis".

    Mas eu tenho dúvidas se alguém como ele desejava mesmo morrer aos 55 anos.

    Pergunto-me por que hábitos tão nocivos à saúde, como fumar, se alimentar mal e não se exercitar, são fontes de prazer para tantas pessoas? Não faltam informações apontando que esses hábitos são as principais causas de doenças cardíacas, do diabetes e do câncer. Elas incapacitam milhares por ano, quando não matam.

    Está nas nossas mãos prevenir a maioria dessas doenças. O fator hereditariedade responde por uma fatia muito pequena, no máximo, 10% dos casos.

    Mas a vida louca que levamos parece cada vez mais atrofiar os nossos sentidos e nos desconectar de nós mesmos. Mesmo que tenhamos informações em abundância sobre a importância de manter bons hábitos, a sensação é de que muitas pessoas perdem a capacidade de julgar o que é bom e o que é ruim para a saúde. Ou, por alguma razão, simplesmente não conseguem mudar os hábitos.

    No adeus ao meu amigo, imaginei-o velejando no barco que sonhava e que não chegou a ter. E na quantidade de sonhos que uma vida desregrada acaba levando, muitas vezes, sem aviso prévio.

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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