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    Cláudia Collucci

    Não conto calorias; nem as ganhas e nem as perdidas

    05/05/2015 02h00

    Tenho uma amiga que já fez todas as dietas possíveis. Da sopa, da lua, dos pontos, das cores, do tipo sanguíneo, dos chás, das proteínas. Algumas vezes, atingiu o peso sonhado, mas logo voltou a engordar. E lá se foram quase 30 anos brigando contra a balança.

    Nesse processo, desenvolveu bulimia, distúrbio alimentar em que a pessoa oscila entre a ingestão exagerada de alimentos e episódios de vômitos ou abusos de laxantes para impedir o ganho de peso.

    Em razão dos vômitos frequentes, sofreu várias "ites", como gastrite, esofagite e gengivite. Com tratamento psicológico, está conseguindo manter o distúrbio sob controle.

    Minha amiga não é exceção. Até 30% das pessoas têm propensão genética a desenvolver distúrbios alimentares. E as dietas são os principais gatilhos para isso.

    São muitas as pessoas próximas a mim que têm uma relação complicada com o próprio corpo e que vivem se privando de um dos maiores prazeres da vida: comer.

    Não é fácil, sei bem disso. Também já fiz dietas, mas nunca nada muito radical. Há pelo menos 20 anos mantenho praticamente o mesmo peso. Poderia estar um pouco mais magra? Poderia, claro. Qual mulher não gostaria de estar com três quilos a menos?

    Mas se estivesse obcecada por isso talvez tivesse desistido da bracciola com polenta do último domingo ou da pizza com os amigos na última sexta. É muita caloria? Talvez, mas uma hora diária de atividade física e uma dieta mais equilibrada durante a semana já me dão a sensação de que estão elas por elas. Se não estão, não sei. Não conto calorias. Nem as ganhas e nem as perdidas.

    O que eu conto são os momentos prazerosos (e também os desgostosos) que a comida me traz. A primeira boa lembrança remete à minha infância. Tinha cinco anos, passava as férias em uma fazenda em Ivaiporã, no Paraná. Lá comi a abobrinha-batidinha-no-fogão-a-lenha mais deliciosa da minha vida. Na viagem de volta, um pastel na estrada arruinou o meu dia (e a roupa da minha avó e a poltrona do ônibus). Talvez venha daí uma certa aversão a frituras...

    De lá para cá, comida está ligada a pessoas e a sentimentos. O bife acebolado da tia Delza, o tomate recheado da tia Aloyde, a pizza e a salada de jiló da minha mãe, o picadinho da minha ex-sogra, a salada completa do maridão.

    Para mim, comida também me remete a lugares inesquecíveis. O espaguete com frutos do mar em Cinque Terre, na Itália, a costela com batatas rústicas e feijão em lata na minúscula Jean, a caminho do Grand Canyon, no Arizona, a sopa de caranguejo em San Francisco (CA), o peixe com mandioca numa praia em São Miguel do Gostoso (RN), os piqueniques pelo mundo... A lista não tem fim.

    Desculpa aí, mas não consigo me lembrar de nada delicioso relacionado à salada de alface com frango grelhado...

    Não estou demonizando as dietas. Para mim, elas são sinônimo de tratamento. Devem ser levadas a sério por quem realmente precisa perder peso porque corre sérios riscos de desenvolver doenças cardiovasculares, diabetes e câncer.

    Dietas muito restritivas? Como bem diz a nutricionista da USP Sophie Deram, no livro "O peso das dietas", elas só servem para duas coisas: podem levar você a ganhar ainda mais peso a longo prazo e a desenvolver pensamentos obsessivos sobre a comida.

    Mais de 95% das pessoas que fazem dietas restritivas acabam voltando ao peso inicial (ou até acima dele), depois de dois anos. Sophie, pesquisadora da área de nutrigenômica e neurociência, é enfática ao afirmar que o cérebro reage ao estresse da dieta e liga um mecanismo de adaptação, que aumenta o apetite e diminui o metabolismo. Ele entende que precisa armazenar gordura para te proteger do perigo de passar fome.

    Nesta quarta (6), em comemoração ao "Dia Internacional sem Dieta", vamos promover um debate na Folha sobre a real eficácia das dietas, a aceitação do corpo e a diversidade de biotipos.

    Um dos objetivos da data é declarar um dia de folga das dietas e obsessões sobre o peso corporal. Permita-se a isso, reflita sobre o que anda fazendo e faça as pazes com o seu corpo. Mesmo que seja só por um dia.

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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