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    Cláudia Collucci

    A quem pertencem óvulos e sêmen dos mortos?

    12/05/2015 02h00

    Os limites éticos da chamada reprodução póstuma andam cada vez mais elásticos. Se anos atrás o debate jurídico era se a mulher tinha ou não o direito de usar o sêmen do marido morto para tentar engravidar, agora é a vez de avós batalharem na Justiça o direito de usar material genético de filhos mortos.

    Uma americana de 59 anos deu início a uma batalha legal para ser fertilizada com os óvulos congelados de sua filha única que morreu há cinco anos e, assim, poder gestar seu próprio neto (ou neta).

    A filha do casal morreu de câncer de intestino antes de completar 30 anos. Ao descobrir o tumor, em 2008, ela decidiu congelar os óvulos em uma clínica de fertilização artificial em Londres, onde morava. Seu objetivo era poder utilizá-los após o tratamento, mas ela morreu dois anos depois.

    Agora, sua mãe e seu pai querem transferir os óvulos (que continuam congelados em Londres) para uma clínica de fertilidade nos EUA, que já concordou em fazer o tratamento a um custo de até US$ 92 mil (cerca de R$ 275 mil).

    Mas a agência britânica que regula o uso de gametas (óvulos e sêmen) e embriões em procedimentos de reprodução assistida e em pesquisas (HFEA, na sigla em inglês) se recusou a expedir uma ordem para permitir que os óvulos sejam enviados aos EUA.

    A alegação é que são insuficientes as evidências que provam que a filha queria que sua mãe gerasse o bebê. Apesar de ela ter preenchido um formulário dando autorização para que os óvulos fossem armazenados após sua morte, a mulher não deixou um documento específico dizendo como queria que eles fossem usados.

    As minutas da reunião de um comitê do órgão mostram que a "maior e única prova" de que ela queria isso é uma suposta conversa com sua mãe enquanto estava no hospital em Londres.

    O assunto envolve muitos questionamentos. Afinal, é ético usar os óvulos de uma mulher que já morreu e que não deixou autorização para isso? Qual a motivação que leva alguém a querer engravidar da filha morta? Essa vinculação é sadia?

    No Brasil, o Conselho Federal de Medicina já definiu que não é infração ética fazer inseminação "post mortem", desde que haja autorização expressa do genitor morto. O mesmo entendimento tem países como Inglaterra, Austrália e nos EUA. Bélgica e Grécia, por exemplo, liberam a reprodução póstuma mesmo sem consentimento anterior. Já Alemanha, Suécia, França, Itália e Canadá a proíbem.

    VIVOS

    A polêmica não envolve só os mortos. Na semana passada, Nick Loeb, ex-noivo da atriz colombiana Sofia Vergara, declarou seu desejo de usar os embriões que congelou com a artista. O casal fez tratamento para engravidar, mas se separou em 2014. Sobraram dois embriões congelados (do sexo feminino) em uma clínica em Los Angeles (EUA).

    Sofia quer que eles permaneçam congelados indefinidamente. O ex alega razões morais para tirá-los do freezer e disse estar disposto a assumir "todas as responsabilidades financeiras" para criar as meninas. "Não há nada que eu queira fazer mais que trazer essas crianças à vida para mim", disse ele ao jornal "The New York Time". Atriz de televisão mais bem paga do mundo, Sofia já deu a entender que o ex quer se promover às custas dela.

    O fato é que o congelamento de gametas ou de embriões envolve questões que nem sempre são lembradas na hora certa. É claro que ninguém quer pensar em separação ou morte no momento em que busca um tratamento para engravidar. Mas é salutar que as clínicas pensem nisso e elaborem um termos de consentimento que deixem muito claro o que fazer com esse material genético caso as coisas não saiam como o esperado.

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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