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    Cláudia Collucci

    Não é normal ficar 'tristinho' na velhice

    23/06/2015 02h00

    O que é ser velho para você? Para o meu pai, que acaba de completar 85 anos, velhos são sempre os outros. Ele se recusa a entrar na fila dos idosos no banco, por exemplo, porque "só tem velho". O mesmo acontece nas raras vezes em que usa transporte coletivo. Assento para idoso? Nem pensar.

    Na chácara onde vive, continua praticamente com a mesma rotina de antes. Acorda cedo, cultiva legumes e hortaliças, sobe em árvores, anda de bicicleta. Os dois infartos após os 80 anos não o intimidaram. A família fica de cabelo em pé. Mas ele não liga. Segue dono do seu nariz.

    Impossível não lembrar do meu pai ao assistir ao documentário "Envelhescência", dirigido por Gabriel Martinez, que traz reflexões sobre a longevidade, a partir da história de seis personagens que subvertem o senso comum do declínio e da degeneração, associados ao processo de envelhecimento.

    Edmeia Corrêa, 67, começou a surfar perto dos 60 anos. O farmacêutico Edson Gambuggi voltou a estudar perto dos 80 e se formou médico aos 84 anos. O japonês Kenji Ono, que introduziu o aikido no Brasil, segue praticante da técnica, aos 89 anos, mesmo com prótese no quadril.

    Judith Caggiano, começou a tatuar o seu corpo aos 72 anos, após a morte do marido opressor e ciumento. Hoje tem mais de 60 tatuagens e piercings espalhados pelo corpo –três em locais proibidos. "Sou livre. Ninguém mais me controla ou me vigia." O maître Oswaldo Silveira, 84, corre todos os dias e é maratonista campeão da categoria 80 a 89 anos. Luiz Schirmer, de 76 anos, é paraquedista.

    Sim, esses casos são exceções. Um estudo da USP mostrou que só 30% dos idosos com mais de 80 anos que vivem em São Paulo têm um envelhecimento tido como "ótimo", ou seja, sem problemas funcionais ou cognitivos.

    Manter contato social, ser ativo fisicamente, não ter depressão ou outra doença mental, possuir mais de quatro anos de escolaridade e renda suficiente são os fatores que aumentam as chances de envelhecer bem.

    O papel da atividade física como fator de proteção física e mental já está bem documentado. Mas agora estudos têm demonstrado que a interação social também produz benefícios semelhantes.

    A interação com o outro produz desafios constantes, estimula o aprendizado, a sair da zona de conforto. Também é preciso cuidar da depressão. A doença é subnotificada no idoso e negligenciada pelos serviços de saúde. As pessoas acham que é normal ficar "tristinho" na velhice. Não é.

    Envelhecer bem não significa não ter doenças. A grande maioria (84,4%) dos idosos "ótimos" do estudo da USP têm uma ou mais doenças de base, como diabetes e hipertensão. O importante é mantê-las sob controle.

    Uma das principais mensagens que "Envelhescência" traz é que "velho pode sim". É a chance de a pessoa se libertar das obrigações da vida adulta e dar início a projetos e atividades que sempre desejou fazer.

    Seria ótimo que mais e mais idosos se apropriassem dessa mensagem. E em vez de ficar cuidando de netos ou sustentando filhos já bem crescidinhos –que dilapidam suas aposentadorias– aproveitassem mais a vida que ainda lhes resta.

    Aliás, a lição vale para todos que entendem que o importante é agregar vida aos nossos anos, não apenas anos à nossa vida.

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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