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    Cláudia Collucci

    É cruel criar falsa esperança sobre cura do alzheimer

    04/08/2015 02h00

    Dias atrás, ao ler pela enésima vez a notícia "droga traz esperança contra alzheimer", resolvi dar um Google com as palavras chaves "droga + esperança + alzheimer". O resultado não me surpreendeu: 146 mil resultados, muitos deles produtos de reportagens antigas com essa velha promessa. Algumas, com mais de uma década.

    A promessa da vez são os anticorpos monoclonais, proteínas produzidas naturalmente pelo corpo humano, mas alteradas e replicadas em escala pelos pesquisadores.

    Resultados preliminares da ação de duas dessas drogas sugeriram há pouco mais de uma semana que existe uma forma de impedir a formação das placas de proteína no cérebro que levam à perda da memória.

    Mas, tão logo a imprensa mundial começou a disparar notícias otimistas a respeito dos estudos, o ceticismo tomou conta de grupos que trabalham com medicina baseada em evidências.

    Em relação à droga solanezumabe, da farmacêutica Eli Lilly, o que se sabe que é ela já foi testada em dois grandes estudos anteriores e não conseguiu demonstrar benefícios reais. Agora está sendo testada novamente em um grupo diferente de pacientes.

    Com a aducanumabe, da Biogen, a coisa não é muito diferente. O que foi apresentado é basicamente um adendo de resultados que já reportados em março último.

    O medicamento se mostrou seguro e eficiente contra as placas de proteína em cérebros de camundongos, mas os resultados em humanos não foram tão animadores, especialmente porque os pesquisadores enfrentam o desafio de encontrar as doses corretas a serem aplicadas.

    Doses mais altas são mais efetivas, mas apresentam alta taxa de efeitos colaterais, como edema no cérebro. Já doses menores de fato reduziram um pouco os efeitos colaterais, mas se mostraram, em um estudo com 30 pacientes, pouco úteis para reduzir a sua perda cognitiva após um ano de tratamento.

    Ainda assim, Jeffreu Sevigny, diretor-sênior da Biogen disse que os resultados, são "fantásticos" e que a empresa já começou outros estudos para conseguir lançar a droga no mercado nos próximos anos.

    Na verdade, ambos são estudos provisórias que apenas sugerem a possibilidade de que os medicamentos possam causar efeitos muito pequenos sobre algumas medidas de funcionamento cognitivo, mas não em outras.

    Os efeitos nem chegaram a ser perceptíveis aos pacientes estudados ou seus familiares. Ou seja, as medidas cognitivas não têm uma relação direta com um benefício clínico aparente.

    Então, por que a corrida das empresas para apresentar resultados provisórios que nem sequer demonstraram que as drogas tiveram qualquer efeito perceptível?

    Como Matthew Herper apontou na revista "Forbes", o "show das drogas contra o alzheimer" veiculado na mídia pode ter tido impacto apenas no mercado financeiro. As ações da Biogen, por exemplo, caíram 4% nos EUA no dia do anúncio, enquanto os papeis da Eli Lilly subiram 1%.

    Por trás de notícias que só trazem falsas esperanças aos pacientes, estão investidores que buscam valorizar empresas com base nas chances de sucesso de novas drogas.

    Onde está a "grande promessa" de uma droga que já foi testada duas vezes e não conseguiu demonstrar qualquer benefício em grandes estudos randomizados?

    É verdade que muitas das reportagens incluíram advertências e limitações dos estudos. Entre os grandes meios de comunicação norte-americanos, a NBC, por exemplo, observou que os resultados "nem mesmo chegam perto de uma possível cura".

    Um especialista citado na reportagem disse que sabia que as manchetes sobre o assunto elevariam falsamente as expectativas de que essas drogas poderiam em breve estar disponíveis e podem ser um caminho para a cura. "O que eu vou dizer para os meus pacientes agora?", perguntou.

    Seria bom que jornalistas, médicos e outros cientistas refletissem muito sobre pergunta antes da divulgação de resultados de estudos preliminares sobre alzheimer (e outras doenças também).

    Não é justo e chega a ser cruel despertar falsas esperanças de cura em pacientes e seu entes queridos. De uma vez por todas, não há até hoje, dia 4 de agosto de 2015, nenhuma droga que tenha demonstrado qualquer benefício clinicamente significativo para os doentes de alzheimer.

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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