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    Cláudia Collucci

    'Viagra feminino' não preenche de tesão uma vida em preto e branco

    20/08/2015 02h00

    O movimento feminista nos Estados Unidos está rachado. E o culpado é o "viagra feminino", a droga Addyi, produzida pela farmacêutica Sprout e recém-aprovada pelo FDA, que promete aumentar o desejo sexual das mulheres.

    A história é um bom exemplo de como uma bandeira justa, como a igualdade de direitos sexuais, pode ser desvirtuada e usada a favor de lobbies da indústria farmacêutica e de grupos apoiados financeiramente por ela.

    A aprovação de uma droga que promete aumentar o desejo sexual feminino já era tida quase como uma causa perdida. O FDA tinha rejeitado duas vezes o pedido de liberação do remédio. Mas cedeu a pressões de grupos feministas que acusavam o órgão de sexismo. Segundo as ativistas, remédios para homens eram aprovados com mais facilidade.

    Detalhe: a farmacêutica Sprout patrocinou grupos que fizeram o lobby, como o National Council of Women's Organizations (grupo que congrega várias associações de mulheres), o Black Women's Health Imperative (voltado para a saúde de mulheres negras), a Association of Reproductive Health Professionals (associação de profissionais que atuam na saúde reprodutiva) e a Liga Nacional dos Consumidores.

    Médicos da Georgetown University Medical Center organizaram um abaixo-assinado com mais de cem assinaturas dizendo que "tal campanha de relações públicas financiada por uma farmacêutica é algo sem precedentes e injustificável". Grupos feministas adversários aos citados acima endossaram o documento.

    O Addyi funciona alterando o equilíbrio de neurotransmissores como a dopamina e a serotonina no cérebro da mulher. Foi desenvolvido originalmente como um antidepressivo. A eficácia também é polêmica. Comparados com placebo, os benefícios são mínimos. Mas são vários os efeitos colaterais, como diminuição da pressão arterial, desmaios, sonolência, náuseas e tonturas. Os riscos também aumentam com o consumo de álcool.

    Mas a grande questão é que o medicamento parte de um pressuposto errado. Muitas vezes, a falta de desejo não é doença ou disfunção, é simplesmente falta de estímulo adequado. Conheço muitas histórias de mulheres que se queixavam de falta de libido e que, após resgatar a autoestima ou trocar de parceiro sexual, voltaram a ter prazer.

    A libido da mulher é complexa. Vai muito além da sexualidade genital. Envolve outros prazeres da vida, amizades, trabalho, admiração pela pessoa que está ao nosso lado. Não é uma pilulazinha que vai dar conta de preencher de tesão uma vida em preto e branco.

    A responsabilidade em ter uma vida sexual feliz é nossa, não de uma substância medíocre do ponto de vista da evidência científica. Se por alguma razão o desejo sexual desapareceu, é hora de encarar o problema de frente e entender o que está por trás disso. Paliativos como o "viagra feminino" só criam dependência psicológica e outros riscos à saúde.

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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