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    Cláudia Collucci

    Zika, chiku e dengue: perigos da epidemia tríplice

    17/11/2015 02h00

    Muitas dúvidas ainda cercam os surtos de microcefalia no Nordeste. A principal é saber o que está por trás desse aumento de casos de malformações cerebrais em bebês. As suspeitas têm recaído sobre o vírus zika, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, o nosso velho conhecido "mosquito da dengue".

    Nenhuma evidência dessa possibilidade foi apresentada até agora, a não ser a relação temporal: os surtos de microcefalia estão acontecendo justamente em regiões que enfrentaram surtos de zika meses atrás, quando as mães desses bebês estavam grávidas. Muitas delas relataram que, durante a gestação, tiveram coceira e manchas na pele, sintomas compatíveis com a infecção por zika.

    O que não dá para entender, porém, é por que os testes genéticos, que buscam anticorpos do vírus nos bebês, ainda não foram feitos nessas crianças. O aumento de casos de microcefalia vem sendo observado há pelo menos dois meses. Alguns especialistas dizem que alertaram os seus gestores para essa possível associação (entre o zika e as malformações), mas que não foram levados à sério. Agora, finalmente, a informação é que os testes serão realizados.

    Confirmando ou não a "culpa" do zika, algumas considerações sobre esses episódios precisam ser feitas.

    O país tem sido negligente na forma de lidar com o zika e o chikungunya, patógenos tidos como "primos" mais brandos da dengue e, portanto, com menos potencial de matar. Pouco ou quase nada se investiu no conhecimento sobre o perfil desses vírus (que também podem ser transmitidos pelo Aedes albopictus) nem na capacitação dos profissionais de saúde para que possam diferenciar entre as três viroses a partir de exames clínicos. O que se fala é que, provavelmente, muitos dos casos registrados como dengue são, na verdade, zika ou chikungunya.

    O primeiro caso de chikungunya no país foi registrado em julho de 2014, na Bahia. Depois disso, a transmissão autóctone (que tem origem local) ocorreu em sete municípios, nas regiões Norte e Nordeste. Em 2015, a doença já está oficialmente em 13 Estados. O zika vírus foi identificado no Brasil pela primeira vez no final de abril deste ano e hoje está presente em ao menos 14 Estados.

    Há cidades que vivem neste ano uma epidemia tríplice. "Estávamos lidando com três vírus circulantes: dengue, zika e chikungunya. Parecia que tinha passado um tsunami por Feira de Santana. Tínhamos que matar um leão por dia", contou a pesquisadora Maricélia Maia de Lima, da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) da cidade, em seminário na Fiocruz no início do mês.

    SINTOMAS

    Considerando que o mosquito Aedes aegypti circula praticamente em todo o país, é óbvia a dedução de que muitos outros municípios podem enfrentar (ou já estão enfrentando) epidemias tríplices. E é bom que você, leitor, também saiba a diferença dos sintomas nas três infecções:

    Dengue: Febre alta (geralmente dura de 2 a 7 dias), dor de cabeça, dores no corpo e articulações, prostração, fraqueza, dor atrás dos olhos, erupção e coceira na pele. Nos casos graves, o doente também pode ter sangramentos (nariz, gengivas), dor abdominal, vômitos persistentes, sonolência, irritabilidade, hipotensão e tontura. Em casos extremos, a dengue pode matar. Quase 800 pessoas já morreram neste ano.

    Chikungunya: O principal sintoma é a dor nas articulações de pés e mãos, que é mais intensa do que nos quadros de dengue. Além disso, também são sintomas febre repentina acima de 39°C, dor de cabeça, dor nos músculos e manchas vermelhas na pele. Cerca de 30% dos casos não chegam a desenvolver sintomas.

    Zika: Os pacientes, em geral, apresentam um quadro alérgico e podem também ter diarreia e sinais de conjuntivite, além dos sintomas com os das doenças "primas": febre, dores e manchas no corpo.

    Uma parte dos pacientes infectados por chiku, por exemplo, pode ficar com as intensas dores musculares por anos. Os locais mais afetados costumam ser as mãos, punhos, pés e tornozelos. Intensa dor lombar também é comum.

    Já as potenciais complicações do zika, além da possível microcefalia, ainda não estão claras, embora haja uma forte suspeita de que o vírus possa estar relacionado com o aumento de casos de uma síndrome rara (Guillain Barré), que ataca o sistema nervoso, provoca paralisia que começa pelos pés e sobe pelo corpo até chegar ao rosto. Nos casos mais graves, provoca paralisia respiratória. Na Bahia, há 68 casos da síndrome ligados ao zika.

    Parece que nem a população (que continua mantendo criadouros do mosquito) e nem os gestores de saúde (que continuam negligenciando na prevenção, no diagnóstico e no tratamento de casos graves) se deram conta do tamanho do pepino que se avizinha. Afinal, nos acostumamos com as epidemias de dengue ao longo dessas últimas décadas como sendo algo corriqueiro.

    Ou já nos infectamos ou conhecemos alguém muito próximo que se infectou e que, provavelmente, ficou curado. Agora, com crianças nascendo com microcefalia, pessoas ficando paralisadas ou com dores articulares incapacitantes por anos será que vamos continuar achando normal essa infestação sem fim de mosquitos?

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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