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    Cláudia Collucci

    O que Dilma deveria dizer sobre o Aedes

    26/01/2016 18h34

    Em vez de ficar irritada com a declaração do ministro da Saúde, Marcelo Castro, de que o país "perdeu a batalha" contra o mosquito Aedes aegypti, a presidente Dilma Rousseff deveria admitir que essa é a mais pura verdade. Seria muito honesta uma declaração em rede nacional nos seguintes termos:

    *

    Brasileiras e brasileiros, estamos errando há 30 anos no combate ao mosquito Aedes aegypti. Desde a primeira grande epidemia de dengue, em 1986, no Rio de Janeiro, não demos muita bola para esse mosquito. Afinal, dengue era tida uma doença "branda". Ninguém esperava que, por total incompetência nossa, a coisa ficasse sem controle dessa forma.

    Nós, governos federal, estadual e municipal, gastamos milhões todos os anos no combate ao Aedes, mas estamos falhando sucessivamente. Falhamos, principalmente, em não atacar as principais causas dessa infestação de mosquito, ou seja, esse processo caótico de urbanização do país aliada à falta de saneamento básico e da oferta regular de água.

    Sim, minha gente, gastamos bilhões com obras da Copa do Mundo, mas não conseguimos levar rede de água e esgoto a todos os lares brasileiros. Nossas cidades estão imundas. A falta d'água crônica leva muitos de vocês a acumular água para consumo próprio. E é nessa água que o Aedes tem se reproduzido. Ele também está no lixo. Qualquer tampinha de garrafa num terreno baldio vira criadouro do mosquito.

    Vocês, brasileiros, também são responsáveis por isso. Cada latinha que jogarem pela janela do carro, cada copo ou garrafa de plástico deixada nas ruas, vai virar criadouro do mosquito. E, claro, toda água acumulada nos seus quintais ou dentro de suas casa será foco de Aedes.

    Nessa história, meu povo, quem está se dando bem são só os mosquitos. Seus ovos conseguem passar um ano ou mais agarrados às 'paredes' de um pneu seco, ou de um potinho no meio do mato, à espera da próxima chuva para eclodir e dar origem a larvas que, em cerca de uma semana, estarão em condições de levantar voo.

    Aliás, além dos mosquitos, as multinacionais que fabricam inseticidas também devem estar rindo à toa. Nunca se consumiu tanto larvicida e inseticida neste país e nunca o Aedes esteve tão resistente a eles.

    Aliás, tem um grupo de sanitaristas que anda bem preocupado com isso. Dizem que esse veneno todo no meio ambiente e na água de beber está fazendo mal para a natureza e para as pessoas. Mas isso ainda precisa ser mais bem estudado. Vamos deixar essa conversa para depois.

    Sim, estamos tentando várias alternativas. Temos aí os mosquitos transgênicos que, se forem realmente efetivos e seguros para controlar o Aedes, serão ótimos aliados nessa luta.

    Mas não podemos esquecer dos outros mosquitos da "família Aedes", como o albopictus e fluviatilis, que também têm potencial de transmitir dengue e outras arboviroses.

    Estudos laboratoriais já demonstraram que o albopictus pode ser infectado por mais de 20 vírus diferentes. Sua capacidade de transmitir essas viroses aos seres humanos dependerá, entre outras coisas, do número de mosquitos presentes na área. Com essa atual quantidade, tá fácil, né?

    Também estamos produzindo uma vacina contra a dengue que parece que será mais eficaz e mais barata do que aquela que já existe.

    Mas, de verdade, pessoal, nada disso sozinho vai funcionar se as outras causas não forem atacadas. Cobre seu vizinho pelo lixo acumulado no quintal, pela piscina descoberta. Mas cobre também o seu prefeito, o seu governador. Pelas ruas sujas, pelo lixo nos terrenos baldios, pelos buracos nas ruas (que sim, também são criadouros do mosquito).

    Vocês, paulistas, cobrem o governador Geraldo Alckmin. Afinal, o Estado de São Paulo foi um dos mais afetados pela epidemia de dengue ano passado, a maior da história. O Estado concentrou 733 mil casos, cerca de metade dos registros do país.

    Quero aproveitar esse momento e pedir desculpas também a vocês que perderam familiares por causa da dengue. Foram 863 mortes em 2015. Muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas se tivéssemos uma rede de assistência adequada. Nada justifica uma pessoa morrer de dengue em pleno século 21.

    Eu sei que, sob minha gestão, as coisas só pioraram. Além da epidemia de dengue, temos também surtos de zika e chikungunya. Inauguramos um novo capítulo na história da epidemiologia brasileira: epidemia tríplice. De quebra, temos agora também uma geração de bebês com microcefalia. Sim, erramos feio. Mas não erramos sozinhos.

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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