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    Cláudia Collucci

    Longe dos holofotes, zika e 'pílula do câncer' avançam

    22/03/2016 02h04

    Enquanto o país só tem olhos para a crise política e econômica, temas de saúde que até bem pouco tempo atrás dominavam o noticiário praticamente desapareceram do cenário.

    Mas não se iludam. Longe dos holofotes, o vírus da zika se alastra no Estado de São Paulo e a "pílula do câncer" está prestes a ser aprovada pelo Senado, à revelia da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) ou de qualquer estudo que ateste a eficácia e a segurança da substância.

    ZIKA

    No território paulista, há 38 casos confirmados de microcefalia com suspeita de ligação com o vírus da zika. Outras 900 gestantes já receberam o diagnóstico de infecção pelo vírus e estão sendo monitoradas.

    Como não há exames diagnósticos disponíveis na rede pública, Estado e prefeituras estão priorizando grávidas que apresentam sintomas de zika e que tiveram exames de dengue negativos.

    Mas uma pesquisa recente da Faculdade de Medicina de Jundiaí mostra que é preciso muito mais. O trabalho, que compara gestantes saudáveis com aquelas que tiveram sintomas de zika, verificou que entre as grávidas assintomáticas, 80% tinham a presença do vírus da zika no sangue. Ou seja, tem muita gestante por aí infectada sem saber...

    Levando em conta que dengue e chikungunya também podem causar danos aos fetos e aos bebês, é urgente os testes para as três arboviroses sejam incluídos o pré-natal. Mas de forma efetiva, e não só na propaganda política do governo de Geraldo Alckmin.

    'PÍLULA DO CÂNCER'

    Sobre a "pílula do câncer", a situação fica cada dia mais surreal. A fabricação e o uso da substância fosfoetanolamina foram aprovados pela Câmara dos Deputados, a despeito da unânime desaprovação da comunidade médica e científica, que defende o óbvio: que a "pílula" passe por testes clínicos e pela aprovação da Anvisa antes de ser liberada. O projeto agora está no Senado e há grandes chances de ser aprovado.

    É compreensível que o desespero de um doente de câncer incurável o leve a correr riscos e a buscar tratamentos que não passaram pelo escrutínio científico, mas é inaceitável que políticos façam uso do apelo popular que o tema carrega e passem por cima de regras regulatórias e instituições.

    Isso acontece ao mesmo tempo que são divulgados os primeiros relatórios sobre as pesquisas financiadas pelo governo federal a respeito da substância. Eles indicam que a molécula não age contra o câncer.

    Nas análises, as "pílulas da USP", como também ficaram conhecidas, possuem composição irregular, com um máximo de 32,2% de fosfoetanolamina. No total, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação vai investir, em três anos, R$ 10 milhões nesses estudos.

    Diante dos resultados negativos, já começou a gritaria insana nas redes sociais. Pessoas acusam os pesquisadores de "defenderem os interesses da indústria farmacêutica, que não quer a cura do câncer".

    Senhores senadores, um pedido: tenham o mínimo de responsabilidade com a saúde e com o dinheiro público. Guiem-se pelas evidências científicas, não pelo sabor do voto.

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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