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    Cláudia Collucci

    Mães invisíveis

    10/05/2016 02h13

    O sol do meio dia ardia naquele ponto de ônibus sem cobertura alguma, na rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros (SP). O menino na cadeira de rodas se debatia e gritava. Tinha dedos curtos, cabeça grande e dificuldade de fala. A mãe, com olheiras profundas, dizia: "Calma, filho, o ônibus já vem".

    Logo o coletivo Vila Santa Isabel/Hospital das Clínicas chegou. O motorista e o cobrador desceram para ajudar no embarque do menino e da cadeira de rodas. O motorista comentou com a mãe: "Hoje demorou, né". "É, o hospital estava cheio", respondeu ela. E o ônibus partiu.

    A imagem cansada daquela mãe, tão semelhante a tantas outras que vejo diariamente na região do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas, me comoveu. Pensei no contraste das fotos festivas alusivas ao Dia das Mães que circularam nos últimos dias nas redes sociais.

    Quem se importa com essas mães invisíveis que cruzam a cidade com seus filhos portadores de doenças raras em outras deficiências em busca de assistência médica? Quem dá ouvido ao seu cansaço, às suas angústias, às suas culpas descabidas e ao seu luto? Pouca gente, como já pude constatar em inúmeras entrevistas.

    As dificuldades são de todas as ordens. A começar pelo diagnóstico de muitas dessas síndromes raras. São poucos os centros médicos para esse fim, as filas de espera são longas. Para a maioria das doenças raras não há medicamentos específicos, apenas tratamento de apoio, como fisioterapia e fonoaudiologia, grandes gargalos no sistema público de saúde.

    Quando existe medicação, é geralmente importada e obtida por meio de decisões judiciais. Os remédios são caros e muitas vezes de eficácia incerta.

    Mas, voltando às mães invisíveis, o que é possível fazer por elas? Recentemente, a Amar (Aliança de Mães e Famílias Raras) e o Grupo Ser Educacional lançaram uma iniciativa promissora nesse sentido: o projeto Mães Produtivas, que vai destinar 50 bolsas para cursos de graduação e especialização via educação a distância (EAD) a mães de crianças com doenças raras de sete Estados brasileiros.

    O projeto foi criado para levar a qualificação profissional para essas mães, que não podem fazer aulas presenciais, pois são cuidadoras dos filhos.

    Em Pernambuco, metade das 15 bolsas foi destinada a mães de bebês com microcefalia, que já iniciaram o curso.

    O projeto identificou nessas mulheres uma grande dificuldade na continuidade ou mesmo no início de estudos. A maioria das mães com bebês com doenças raras é cuidadora 24 horas por dia. Segundo dados da Amar, 70% das mulheres com filhos deficientes são abandonadas pelos maridos. Sozinhas e com rotinas exaustivas, muitas desenvolvem depressão e síndrome do pânico.

    Projetos como o Mães Produtivas, que visam cuidar de quem cuida, merecem ser replicados, assim como as iniciativas da comunidade que possibilitem que as mães tenham algum tempo para estudar e descansar. É a chance dessas mulheres darem um novo rumo à vida, a sonhar e a planejar o futuro.

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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