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    Cláudia Collucci

    Por que os casos de microcefalia seguem concentrados no Brasil?

    06/09/2016 02h01

    Divulgação
    Criança com microcefalia passar por exame de audição para averiguar extensão dos efeitos da zika
    Criança com microcefalia passar por exame de audição para averiguar extensão dos efeitos da zika

    Por que o Brasil, mais especificamente a região Nordeste, continua líder absoluto nos casos de microcefalia e outras alterações cerebrais? Quais outros fatores estão contribuindo para esse cenário além do vírus da zika? Um ano depois do início da epidemia de má-formações ligados ao zika, essas perguntas seguem sem respostas.

    Em encontro do comitê emergencial da OMS (Organização Mundial da Saúde), que terminou sexta em Genebra, as autoridades de saúde se mostraram intrigadas e dizem que as explicações ainda precisam ser desvendadas.

    Vários estudos estão em andamento para estabelecer se existem ou não outros aspectos envolvidos. "Há enormes variações e precisamos responder à pergunta: isso ocorreu simplesmente porque o vírus atingiu a população em um outro momento, e há apenas um lapso de tempo? Estamos apenas aguardando que as complicações apareçam? Ou outros fatores contribuem fazendo com que, em uma parte do mundo, a doença resulte em maiores complicações do que em outra?", indagou o diretor do comitê, o médico David Heymann.

    Segundo o último boletim da Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), até agosto foram confirmados 1.845 casos de bebês nascidos com más-formações no Brasil, em uma população de 206 milhões. A Colômbia, segundo país a registrar maior incidência de más-formações congênitas, tem 29 casos confirmados em uma população de 47 milhões.

    Em uma conta simples, o Brasil tem população cerca de 4,3 vezes maior do que a do vizinho, mas registra 63 vezes mais casos de más-formações. Diversas teorias procuram explicar a razão dos altos índices de microcefalia observados particularmente no Brasil, mas até o momento nenhuma é conclusiva.

    Até o início deste ano, o argumento mais usado se resumia a uma questão de tempo. Logo, a microcefalia atingiria altos números no Brasil todo e em outros países. Isso não aconteceu.

    Entre as hipóteses para a discrepância estão a cepa (linhagem) do vírus, o lapso do tempo desde o início da epidemia, a interação com outras doenças e as condições socioeconômicas. Na reunião da OMS debateu-se, por exemplo, se a versão do zika que provocou a epidemia no Brasil (de origem asiática) seria mais perigosa do que a cepa africana. Isso está agora sendo investigado.

    Também é preciso saber quantas pessoas foram de fato infectadas pelo zika. Por exemplo, se 80% da população do Nordeste já tiver sido infectada, os números de microcefalia fariam sentido. "Mas, se menos de 2 milhões tiverem sido infectados, ainda haveria muitos milhões (de pessoas vulneráveis). Aí a doença ficaria muito mais complicada do que parece", explicou o virologista Paulo Zanotto, em entrevista ao G1.

    Há estudos investigando aspectos genéticos, alimentares e de contaminação ambiental. O desafio dos cientistas não é apenas definir quais cofatores impactaram a má-formação dos bebês, mas também avaliar a interação entre eles. Por exemplo, no Nordeste, há uma prevalência de dengue muito mais alta do que no resto do Brasil, cerca de 80% da população já teve a doença. Alguns estudos mostraram que isso pode ser um fator de risco.

    A pobreza também está sendo estudada como possível cofator. A maioria das famílias com bebês com microcefalia vive em regiões com índice de desenvolvimento humano (IDH) muito baixo. Isso significa que podem estar expostas à má nutrição ou à exposição a outras doenças.

    Essas respostas são urgentes e os governos não devem medir esforços para buscá-las. Logo o verão estará aí de novo e, com ele, uma provável nova onda de nascimentos de bebês com microcefalia e outros danos cerebrais. Em termos de prevenção, pouco avançamos. Nos bolsões de pobreza, as mulheres continuam sem repelente, sem saneamento e sem métodos anticoncepcionais eficazes.

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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