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    Cláudia Collucci

    Mamãe era assim: doce com os vivos e com os mortos

    01/11/2016 02h00

    Cláudia Collucci/Folhapress
    Coleirinho pousado em túmulo do Cemitério da Saudade, em Ribeirão Preto
    Coleirinho pousado em túmulo do Cemitério da Saudade, em Ribeirão Preto

    Tem um provérbio chinês que diz: "Você não pode evitar que os pássaros da tristeza voem sobre a sua cabeça, mas pode evitar que eles construam ninhos em seus cabelos".

    Encontrei a citação em um dos textos disponíveis no site do Instituto Quatro Estações, que dá suporte psicológico para situações de perdas e lutos. Desde a morte de minha mãe, há quase quatro meses, tenho visitado virtualmente o espaço em busca de algum conforto para a alma.

    A perda da minha amada tem sido a experiência mais assustadora e dolorida da minha vida. A vida segue seu rumo, só que infinitamente mais triste.

    Ainda assim, sigo acreditando que haja vida no luto, haja esperança de transformação, de recomeço. E é o que estou buscando. Um dia de cada vez, só por hoje, como costuma dizer minha amiga Helena Lima.

    Sei que o processo de luto implica a superação de várias etapas, entre elas a real aceitação da perda e a adaptação da vida sem a minha mãezinha. Sei também que cada experiência de luto é pessoal, única, e tem seu próprio tempo. E que um luto dessa magnitude acaba reeditando lutos anteriores.

    Por isso, estou tentando olhar e cuidar com carinho dessa dor. Sem a minha pressa habitual de tentar me livrar o mais depressa possível do que me faz sofrer.

    O luto nos lembra que é necessário ser paciente com nós mesmos. E com as pessoas que, na tentativa de ajudar, acabam por pressionar com frases do tipo "você tem que ser forte, superar; será um antidepressivo não ajudaria?".

    Nessas leituras sobre o luto, aprendi um conceito novo de reconciliação. Segundo a psicóloga Maria Helena Pereira Franco, a palavra dá um sentido mais apropriado sobre o processo vivido no luto.

    Não significa passar pelo luto, mas sim crescer por meio dele, "aprender como lidar com essa nova realidade de se mover ao longo da vida sem a presença física da pessoa que morreu".

    Sei que o sentimento de perda nunca desaparecerá completamente, mas espero que, com o tempo, seja atenuado, doa menos.

    No último domingo (30), visitei o túmulo de mamãe pela primeira vez desde a sua morte. Relutava em ver sua foto sorridente, feita dois meses antes de sua morte. Estávamos em Santos, comendo um peixinho, tomando uma cervejinha e fazendo planos para o seu aniversário de 80 anos, que não deu tempo de ser comemorado.

    No cemitério, várias famílias preparavam seus jazigos para o Dia de Finados, nesta quarta (2). Se viva estivesse, certamente minha mãe estaria fazendo o mesmo, especialmente, distribuindo flores nos túmulos de parentes e amigos. Mamãe era assim: doce com os vivos e os mortos.

    Entre lágrimas, eu e meu velho pai repetimos o ritual, distribuindo flores, lembrando dos nossos mortos. Na saída, um coleirinho (também conhecido como coleirinha), um pássaro que não via desde a infância, pousou em um dos túmulos.

    Andamos mais alguns metros e meu pai apontou: "Olha ali um periquito". Mais adiante, avistamos um canário e, em seguida, um sabiá. E de repente, o cemitério estava pleno de vida.

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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