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    Cláudia Collucci

    Após amizade com os meus próprios demônios, o luto me assombra menos

    11/07/2017 02h00

    Eduardo Knapp/Folhapress
    Túmulo no cemitério do Araçá, em São Paulo

    Em um primeiro momento, a sensação era de limbo, de um imenso vazio preenchendo o peito e o coração. A dor foi uma companheira exigente, ocupando horas, dias, meses.

    Como ondas, o choro me arrebatou muitas vezes em situações inusitadas, durante entrevistas, palestras, passeios e jantares românticos. As efemérides foram ainda mais arrasadoras. O primeiro aniversário, o primeiro Natal, o primeiro Dia das Mães.

    Neste último ano, não me furtei de viver plenamente o luto pela morte da minha mãe. No início, achei que não suportaria seguir a vida sem ela, que o tempo jamais reduziria a dor.

    Durante os primeiros meses, meu corpo podia estar sentado, escrevendo ou entrevistando alguém, mas minha alma estava naquele leito do hospital, assistindo a mulher da minha vida partir. Ou, nas horas terríveis que viriam depois, ao ter que reconhecer o seu corpo inerte no necrotério.

    Além das sessões de análise, li muito sobre luto neste período numa tentativa de compreender tamanha dor. C.S. Lewis escreveu: "Ninguém nunca me contou que o luto era tão parecido com o medo. Medo de nunca mais a tristeza ir embora, medo de não ficar de pé."

    No livro "Plano B" (ed. Fontanar), Sheryl Sandberg e o psicólogo Adam Grant tratam da incrível a capacidade que temos, diante das mais terríveis adversidades, de perseverar, de encontrar uma força maior e seguir adiante. Ou seja, de sermos resilientes e encontrarmos um "plano B".

    No livro, ninguém faz de conta que a esperança prevalece sobre a dor todos os dias. Também não dão uma receita da maneira "certa" ou "apropriada" de viver o luto. Esse é um processo muito individual, que depende da história de cada um.

    Após décadas estudando como as pessoas lidam com reveses, seja o luto, a perda do emprego, um divórcio ou um estupro, o psicólogo Martin Seligman concluiu que três "Ps" podem funcionar de maneira muito negativa e prejudicar a volta por cima:

    1 - a personalização, que é a impressão de que temos alguma culpa pelo acontecido;
    2 - a permeabilidade, que é a impressão de que esse acontecimento vai afetar todos os setores de nossa vida;
    3 - a permanência, que é a impressão de que os desdobramentos desse acontecimento vão durar para sempre.

    Seligman diz que diversos estudos apontam que crianças e adultos se recuperam mais rapidamente quando se dão conta de que os acontecimentos negativos não são pessoais, ou "culpa" deles, não afetam todo e qualquer aspecto da vida nem vão acompanhá-los por toda parte para sempre.

    Plano B
    Sheryl Sandberg E Adam Grant
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    Um ano após a morte da minha mãe, sinto que a névoa espessa do luto agudo se desfez. Ficaram os momentos de tristeza e de saudade. Mas, como sabem os budistas há séculos, o sofrimento faz parte da vida, assim como os momentos de alegria. A velhice, a doença e a morte são inevitáveis.

    Segundo a mestre budista Pema Chödrön, nossa dor diminui quando "fazemos amizade com nossos próprios demônios".

    Como escreveu Sheryl Sandberg, "não cheguei a abraçar o diabo, mas, ao aceitá-lo, ele passou a me assombrar menos".

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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