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    Cláudia Collucci

    Rio fechará 11 clínicas de saúde da família; programa era modelo no país

    01/08/2017 19h57

    Claudia Collucci/Folhapress
    Atendimento em clínica de família da Rocinha, no Rio
    Atendimento em clínica de família da Rocinha, no Rio

    Na coluna desta terça, falei sobre a ameaça de desmonte do programa Saúde da Família dentro do contexto da revisão do Plano Nacional de Atenção Básica.

    O Rio de Janeiro saiu na frente e iniciou o seu próprio desmonte. Nesta terça (1º), mais de 700 profissionais que atuam na atenção primária à saúde do município (entre médicos, enfermeiros e técnicos) do Rio de Janeiro receberam aviso prévio, além de 1.800 agentes comunitários.

    Ao todo, serão fechadas 11 clínicas de saúde da família. Cada unidade é responsável pelo atendimento de um grupo de 4.000 pessoas. Os cortes ocorrem em razão da redução do contrato firmado entre a Prefeitura do Rio e a Organização Social Iabas, responsável pela administração das clínicas e centros municipais na zona oeste do Rio.

    Em nota, o prefeito Marcelo Crivella (PRB) disse que, apesar da grave crise que atinge o Estado e o município do Rio, "todos os esforços estão sendo feitos para garantir os serviços públicos de saúde, inclusive com inúmeros mutirões que foram realizados, aumentando o número de consultas, exames e cirurgias, na comparação com o mesmo período do ano passado."

    Sob todos os pontos de vista, o Rio está numa crise sem precedentes, em estado de falência, sendo a saúde uma das áreas mais afetadas. O fechamento das clínicas de saúde me traz uma tristeza em particular porque ano passado conheci várias dessas clínicas, inclusive na Rocinha, como parte da programação de um congresso mundial de saúde da família, e me surpreendi muito com os resultados do programa, considerado modelo no país.

    A cidade tinha saído de 3,5% de cobertura da saúde da família (em 2008), para 70% no final de 2016. O município passou de 68 equipes para 1.207. Foi a maior expansão de todo o país.

    Nesse período, a proporção de internações hospitalares causadas por doenças como hipertensão e diabetes caiu 38,5% (de 31,9% para 19,6%). A explicação é simples: 85% dos hipertensos e diabéticos tinham um acompanhamento regular em uma das clínicas de família do município, muitas das quais contam, inclusive, com academia de ginástica.

    Todos os pacientes tinham prontuário eletrônico e sabiam na ponta da língua o nome do seu médico de família e da sua enfermeira. Sim, também ouvi reclamações de usuários sobre a dificuldade em marcar consultas com especialistas e de funcionários sobre a precarização dos contratos de trabalho (via organizações sociais). Mas, no geral, todos os usuários com os quais conversei aprovavam muito o modelo.

    Em nota divulgada pela Sociedade Brasileira de Medicina de Família, Daniel Soranz, ex-secretário municipal da saúde do Rio (2012-2016), afirma que, com o fechamento das clínicas, a cidade deixará de estar entre as dez principais capitais com maior cobertura, resultando em um retrocesso importante para a saúde dos cariocas.

    "Todo o custo desse serviço significa apenas 0,1% do orçamento municipal, que equivale a R$ 75 milhões, que poderiam ser cortados de outros setores que não trariam tanto impacto negativo para o atendimento da saúde da população."

    O corte das equipes de saúde da família também significará menos recursos federais (pelo menos enquanto vigorar as regras atuais do Plano Nacional de Atenção Básica), já que o Ministério da Saúde financia 50% do programa. Para os cofres públicos do Rio, isso significa R$ 150 milhões ao ano.

    Como bem lembrou Deisy Ventura, professora de direito internacional da USP, são nos momentos de crise que os governos precisam ter a inteligência de reforçar a proteção social e em particular seus sistemas de saúde. Os países que seguiram essa cartilha não só pouparam vidas como também recuperaram sua economia mais rapidamente. É triste ver que, por aqui, o caminho escolhido parece que tem sido exatamente o oposto.

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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