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    Cláudia Collucci

    Perda de renda causada pela violência doméstica chega a quase R$ 1 bi

    29/08/2017 02h00

    Eduardo Anizelli/Folhapress
    SAO PAULO, SP, 08-03-2016, A Marcha das Mulheres na av. Paulista, em protesto contra Eduardo Cunha, a Reforma da Previdencia e o impeachment de Dilma, alem das pautas feministas (liberaçao do aborto, igualdade de genero, contra a violencia etc.). (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, COTIDIANO)
    Marcha das Mulheres em São Paulo

    Nas últimas semanas, o tema violência contra a mulher saiu da costumeira invisibilidade e ganhou destaque nos principais veículos de comunicação do país. Na semana passada, a Folha trouxe, por exemplo, dois levantamentos inéditos, um sobre estupro coletivo e outro sobre feminicídio.

    Um novo olhar sobre as agressões contra as mulheres, agora com foco no mercado de trabalho, foi lançado por uma pesquisa da Universidade Federal do Ceará, realizada em 2016 em parceria com o Instituto Maria da Penha e com o Instituto de Estudos Avançados de Toulouse, na França. Foram entrevistadas 10 mil mulheres nas capitais do Nordeste. Dessas, 27% delas já sofreram algum tipo de violência doméstica emocional, física ou sexual.

    Ao cruzar os dados da vida laboral dessas mulheres e compará-los com os de mulheres que não foram vítimas de violência, as conclusões são impactantes: mulheres vitimadas ficam 22% menos tempo no emprego do que as que não sofreram violência (em Salvador, o tempo é 48% menor), têm salários 10% menores (em Fortaleza, a diferença é de 34%) e chegam a faltar 18 dias por ano por incapacidade física ou psicológica ou para realizar tratamentos.

    No estudo, os pesquisadores José Raimundo Carvalho e Victor Hugo de Oliveira extrapolaram o dado para o Brasil e concluíram que a perda anual de renda em razão do absenteísmo causado pela violência doméstica chega a quase R$ 1 bilhão.

    A pesquisa me fez lembrar de uma mulher que um dia encontrei em uma viagem de ônibus para Ribeirão Preto. Ao sentar ao seu lado, percebi um grande hematoma no rosto que ela tentava manter colado na janela. Em um certo momento, ela começou a chorar e eu, instintivamente, segurei na sua mão.

    Casada há dois anos, Juliana vinha sendo agredida com frequência pelo marido alcoólatra. Ela tinha muita vergonha daquela situação. Na empresa de telemarketing em que trabalhava em São Paulo, inventava desculpas para justificar os hematomas. Foi um tombo, foi uma bolada. Quando a encontrei, havia um mês que tinha sido demitida. Após mais um espancamento, ela tinha fugido pela janela do quarto e partido para a casa dos pais.

    Conversamos muito nas horas restantes da viagem, especialmente sobre as amarras invisíveis que às vezes nos atam a pessoas problemáticas. Dias antes, tinha escrito uma coluna sobre codependência por conta do suicídio do músico Chorão e das críticas que sua mulher Graziela vinha recebendo.

    Na despedida, Juliana me abraçou e agradeceu, disse que tomaria um novo rumo na vida. Deixei os meus contatos, mas nunca mais tive notícias dela. Espero que tenha conseguido se livrar do marido abusivo e voltado para o mercado de trabalho.

    Ao ler sobre a pesquisa cearense, voltei a me lembrar da Juliana e das mulheres vítimas de violência que entrevistei ou que já convivi. Elas nunca receberam apoio institucional em seus locais de trabalho. Em geral, os empregadores fecham os olhos para essa questão da violência doméstica.

    O que me deu um pouco de esperança foi ler uma reportagem na revista "Exame" que, além de trazer dados da pesquisa cearense, revelou iniciativas de empresas como o a rede de varejistas Magazine Luiza e a fabricante de cosméticos Avon que criaram disque-denúncias, com apoio jurídico e psicológico às funcionárias vítimas de violência. No Magazine Luiza, o canal foi criado após o assassinato de uma das gerentes em julho último. Depois de matá-la, o marido se suicidou, deixando órfão o filho de nove anos.

    Já passou da hora de empregadores e da sociedade em geral fecharem os olhos para o problema da violência contra a mulher. Em briga de marido e mulher, é preciso, sim, meter a colher.

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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