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    Clóvis Rossi

    Uruguai rompe o molde

    04/08/2013 03h45

    O mais relevante no projeto de lei aprovado pela Câmara de Deputados uruguaia, que torna legal o consumo e a comercialização da maconha, a ser vendida pelo Estado, nem são suas especificidades, mas o fato de que rompe o molde universal na matéria, centrado na repressão.

    O projeto uruguaio pode ter incontáveis defeitos, alguns dos quais já analisados na sexta-feira por Hélio Schwartsman, que se aventura a decretar o seu fracasso. Pode até malograr, mas permanece o fato de que o enfoque repressivo já é um fracasso comprovado.

    Mantê-lo só vai fazer piorar as coisas, como se lê em alentado estudo preparado pela Organização de Estados Americanos, divulgado em maio. O documento traça quatro cenários, o último dos quais examina potenciais consequências de manter o atual enfoque (exclusivamente repressivo). Nessa hipótese, quase todos os países da América Latina estarão em pior situação
    nos próximos 15 anos.

    Portanto, se o projeto uruguaio (que ainda depende de aprovação do Senado) piorar alguma coisa, não fará nada diferente da inércia de se manter a pura força como resposta ao tremendo problema das drogas.

    É óbvio que legalizar o consumo da maconha não é o ovo de Colombo, até porque ninguém conseguiu pôr uma solução mágica nessa matéria.

    O relatório da OEA, o mais abrangente estudo até agora, havia sido encomendado pelos chefes de governo dos países americanos, no que já era o reconhecimento tácito de que as políticas atuais não estão funcionando.

    Se não estão, por que, salvo o projeto uruguaio, não houve avanços desde a divulgação do relatório? Talvez porque os demais três cenários nele traçados são de fato de complexa execução.
    O primeiro trata da reforma do sistema judicial. Desnecessário comentar o quão difícil é fazê-lo -e não apenas para lidar com a questão das drogas. O segundo expõe as escolhas estratégicas disponíveis para os diferentes governos, entre elas a legalização.

    Por fim, o terceiro examina a instituições e arranjos necessários para atender vítimas das drogas, desde usuários que delas abusam até a situação de comunidades tomadas pelo crime, algo que, no Brasil, é um drama arquiconhecido, mas pouco ou mal enfrentado.

    O Uruguai resolveu mudar o jogo, como explica o deputado Sebastián Sabini, da Frente Ampla, a coligação governante: "Estamos em um contexto de aumento tanto das apreensões de drogas como de presos por tráfico de drogas; não obstante, a insegurança pública e o consumo aumentaram".

    É a constatação prática de que o enfoque repressivo não funciona nem mesmo em um país pequeno como o Uruguai, por isso mesmo mais fácil de controlar, e com menos problemas sociais, que tendem a empurrar mais gente para o consumo de drogas.

    A iniciativa uruguaia, repito, pode fracassar, e não é necessariamente o único caminho disponível, mas é o rompimento da inércia.

    O triste é constatar que o Brasil, que ajudou a financiar o estudo da OEA, não se mexe nem mesmo para discutir os cenários por ele consistentemente apresentados.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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