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    Clóvis Rossi

    Sem islamitas, sem democracia

    18/08/2013 02h01

    A única eventual saída para o labirinto em que os militares enfiaram o Egito é os setores laicos e liberais que iniciaram a revolta que levou à queda da ditadura anterior (Hosni Mubarak, 1981/2011) aceitarem o fato de que ou se incorpora o islamismo à vida política ou não haverá democracia nem no Egito nem nos demais países de maioria muçulmana.

    É a constatação, por exemplo, de Luz Gómez García, professora de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade Autônoma de Madri, em artigo para "El País": "Acreditar que a democracia e a revolução são possíveis com a Irmandade Muçulmana silenciada é um absurdo exercício de possibilidades".

    Reforça a revista "The Economist", cujas credenciais liberais a impedem de ter a mais leve simpatia por movimentos tipo a Irmandade Muçulmana: "Os generais não podem suprimir os islamitas sem também privar milhões de outros egípcios das liberdades pelas quais ansiaram --e que experimentaram, ainda que brevemente, desde a queda de Mubarak".

    A defecção do principal líder laico e liberal, Mohammed ElBaradei, após o massacre de quarta, mostra que os militares não conseguirão apoio dessas correntes para manter a carnificina indefinidamente.

    O problema para a aceitação da Irmandade Muçulmana como parceiro eventualmente hegemônico no jogo político é a desconfiança que cerca o islamismo político. Sua magra experiência de um ano no poder foi permanentemente acompanhada de afirmações, pouco comprovadas, de que havia uma agenda de completa islamização do país.

    Há razões para a desconfiança, mas há também razões para crer em um certo exagero no anti-islamismo.

    Veja-se, por exemplo, a declaração da dona-de-casa Afaf Mahmoud para a "Economist": "Se ele [o presidente Mohammed Mursi] tivesse prendido todos aqueles que o criticaram, como Mubarak teria feito, talvez ainda estivesse no poder".

    De fato, o teor de democracia no curto período Mursi ficou longe dos 100%, mas seria preconceituoso dizer que ele estava perto de implantar uma ditadura sob a égide da sharia, a lei islâmica.

    Os dez anos de governo do islamita AKP (Partido Justiça e Desenvolvimento) na Turquia também testemunham que islamismo e democracia podem conviver --com percalços, é verdade, em geral não muito maiores do que os que ocorrem em alguns países vizinhos do Brasil.

    Deixar os islamitas fora do jogo levaria a que perdessem a confiança no processo democrático, o que "seria uma má notícia para o Egito e um impulso para a Al Qaeda e outros jihadistas [adeptos da guerra santa contra o Ocidente] que creem que só se pode conseguir o poder com sangue e terror", escreve para "El País" o ex-chanceler de Israel Shlomo Ben Ami, hoje vice-presidente do Centro Internacional pela Paz de Toledo (Espanha).

    Se os liberais resolverem disputar votos com os islamitas em vez de aceitar o sangue, talvez haja uma chance. Talvez.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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