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    Clóvis Rossi

    O senador e os ovos de ouro

    27/08/2013 03h00

    Não faz sentido sacrificar o chanceler Antonio Patriota no altar das relações com a Bolívia. Quem errou no caso todo foi o governo Evo Morales, que se recusou a respeitar o direito de asilo.

    Afinal, se Patriota foi cúmplice, ainda que por omissão, da atitude do subordinado Eduardo Saboia, o diplomata que trouxe ao Brasil o senador boliviano, é uma omissão baseada em elogiável pressuposto:

    "Escolhi a vida. Escolhi proteger um perseguido político, como a presidente Dilma (Rousseff) foi perseguida", declarou Saboia ao chegar.

    É bom deixar claro que, para o governo brasileiro (e não apenas para Saboia ou para Patriota), Roger Pinto é um cidadão que merece proteção, tanto que lhe foi concedido asilo já faz 15 meses. Não é considerado um criminoso, ao contrário do que diz o governo boliviano.

    Se é assim, nada mais natural do que trazê-lo para o Brasil, já que o governo Evo Morales se recusa a conceder o salvo-conduto de praxe, um comportamento inaceitável.

    Afinal, o governo boliviano se prontificou a oferecer refúgio a Edward Snowden, que, guardadas as proporções, fez mais ou menos o que fez Pinto: um denunciou a megaespionagem dos EUA, evento obviamente de dimensões planetárias.

    Já Pinto denunciou um escândalo (tráfico de drogas) de dimensões apenas internas, ainda por cima de um país absolutamente periférico. Nem por isso deixou de correr riscos, do que dá prova definitiva a frase de Eduardo Saboia sobre "escolher a vida", ao tirar o senador do país que o ameaçava.

    Claro que o Itamaraty, como instituição, teria imensa dificuldade em assumir o gesto humanitário de seu funcionário, o que dá um verniz de correção burocrática à demissão de Patriota. Mas, se foi uma decisão para acalmar o governo Evo, Dilma Rousseff precipitou-se.

    Ainda mais que La Paz reagira com relativa moderação, quando é usualmente escandalosa ao reagir ao que considera ofensivo à sua soberania/dignidade.

    Juan Ramón Quintana, o ministro da Presidência da Bolívia, admitiu, é verdade, que o episódio afeta as relações bilaterais entre os países, mas logo acrescentou que "devemos resolvê-lo no âmbito diplomático", âmbito sabidamente avesso a ruídos escandalosos.

    Explique-se a contenção, se é que ela será mantida nos próximos capítulos: "Não é possível matar a galhinha dos ovos de ouro, e o Brasil é isso para a Bolívia", como escreve Pablo Ortiz para o jornal "El Deber", de Santa Cruz de la Sierra.

    Completa o ministro Quintana: "O Brasil é o nosso principal aliado comercial, é o nosso principal sócio em questões energéticas, é o país com o qual temos a maior fronteira territorial. Temos temas comuns, formamos parte de mecanismos de integração regional, temos muitas tarefas pendentes para construir economias solidárias. Devemos conviver de maneira harmoniosa, e nossa política exterior com o Brasil
    deve ser amigável, de benefícios recíprocos".

    Muita coisa para que Evo, que já fez desfeitas até com seu amigo Lula, se arriscasse a uma crise, que a cabeça de Patriota deve matar de uma vez.

    crossi@uol.com.br

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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