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    Clóvis Rossi

    O bufão Berlusconi, último ato?

    03/10/2013 03h17

    Eugenio Scalfari, notável jornalista italiano, criador de "La Repubblica", compara Silvio Berlusconi a Macheath, elegante anti-herói da "Ópera dos Três Vinténs", de Bertolt Brecht, um marginal cercado de mendigos, ladrões, prostitutas e vigaristas.

    Parece ofensivo, mas colocar Berlusconi como personagem de um gênio como Brecht é dignificar um bufão que transformou a política italiana em horror tamanho que faz parecer virtuosa a política brasileira.

    Menos mal que Berlusconi tenha perdido, ontem, o seu mais recente desafio às instituições italianas, ao se ver abandonado por seus próprios parceiros de sempre na tentativa de derrubar o governo do centro-esquerdista Enrico Letta.

    O até então inoxidável líder da direita ameaçava retirar o apoio do seu grupo (o PdL, Povo da Liberdade) se não fosse mantido no Senado, apesar de condenação irrecorrível por fraude fiscal.

    Neste ponto específico, a regra italiana é melhor que a brasileira. A lei impede que um condenado por sentença definitiva, caso de Berlusconi, permaneça como parlamentar. No Brasil, o Congresso tem a última palavra --e pode ser a pior palavra, como se viu no caso Natan Donadon.

    Volto a Berlusconi: pela primeira vez na história de suas aventuras políticas, um punhado de fiéis se rebelou e resolveu contrariar a ordem do chefe de votar contra o governo de que eles próprios fazem parte.

    À primeira vista, é fim do percurso para Berlusconi. "Perdeu o bastão de comando, a possibilidade de personificar o passado, o presente e o futuro da direita italiana", diz Ezio Mauro, chefe de redação do "La Repubblica".

    Tomara que seja assim, mas não é prudente esquecer que Berlusconi "chega ao fundo da psique italiana", na avaliação de Martin Sorrell, mago da comunicação, da WPP (maior grupo mundial de agências de publicidade e comunicação).

    Só assim se explica a sobrevivência do magnata na primeira linha da política italiana, durante os últimos 20 anos.

    Berlusconi tem um ponto de contato, no Brasil, com Paulo Salim Maluf: ambos foram sitiados permanentemente por uma catarata de denúncias e processos judiciais.

    E é aí que dá para dizer que, no Brasil, as coisas são menos sombrias: primeiro, Maluf, ao contrário de Berlusconi, jamais foi definitivamente condenado.

    Segundo, jamais chegou ao posto máximo da República. O político italiano, ao contrário, foi três vezes eleito presidente do Conselho de Ministros.

    E, nas duas vezes mais recentes, usou o cargo para tentar blindar-se do que considera perseguição judicial, em vez de administrar.

    A solidão em que acabou ficando Berlusconi em seu próprio partido talvez dê margem ao surgimento de "uma direita moderna", que não seja, como o PdL, "cesarista e populista", torce Ezio Mauro.

    Mas a herança deixada pelo mais recente período Berlusconi é, esta sim, maldita: de 2008 a 2012, a Itália perdeu 6% de seu PIB (Produto Interno Bruto). Sua derrota retira o componente burlesco da crise econômico-social, mas não a resolve.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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