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    Clóvis Rossi

    A Primavera Árabe murchou de vez

    13/10/2013 03h17

    A Tunísia, o país em que nasceu a chamada Primavera Árabe, acaba de vê-la fenecer: o partido islamita En Nahda, vitorioso na primeira eleição democrática do país, será substituído, no mês que vem, por uma coleção de tecnocratas independentes até a elaboração de uma nova Constituição, após o que virão novas eleições.

    No caso da Tunísia, não dá para acusar o En Nahda (Partido da Renascença) dos pecados de que foi acusada a Irmandade Muçulmana egípcia e que serviram de pretexto para o golpe de Estado que a afastou violentamente do poder.

    O En Nahda não pretendeu açambarcar o poder, apesar de ter obtido a maioria (relativa) dos votos na eleição (40%). Governava em coalizão, ao contrário da Irmandade egípcia. Tampouco elaborou uma Constituição a seu gosto, com predominância de valores islâmicos, outra acusação que se faz seguidamente aos seus confrades egípcios.

    Aliás, foi a divergência sobre o papel do islã na Constituição a gota d'água para forçar a renúncia do governo democraticamente eleito, o que é sempre bom repetir.

    A única acusação grave que se pode fazer ao partido no poder nunca foi comprovada: a de que teria instigado o assassinato recente de dois políticos opositores.

    Acrescente-se ao caso tunisiano o fato de que também no Marrocos o partido islamita majoritário nas eleições mais ou menos democráticas de 2011, o Justiça e Desenvolvimento, acaba de perder ministros no governo de coalizão em favor dos conservadores do Istiqlal.

    Somando Egito, Tunísia e Marrocos, a pergunta inevitável é esta: islamismo e democracia são incompatíveis?

    Acho que não são. O que há é um tremendo preconceito contra partidos islamitas por parte de uma coligação não declarada, mas poderosa, de laicos, liberais, viúvas das ditaduras depostas e, em alguns casos, as Forças Armadas, que sustentaram as ditaduras que a Primavera Árabe pretendeu substituir.

    É essa coleção de adversários que usa defeitos reais dos partidos islamitas (misturar religião com política é o principal deles, do meu ponto de vista) para inflá-los a tal ponto que eles não conseguem governar mesmo quando são majoritários, como é o caso dos três países em pauta.

    A Turquia é um exemplo de que um partido islamita é capaz de governar em democracia, mas nem por isso deixa de ser vítima de preconceito. É verdade que o primeiro-ministro Recep Tayip Erdogan pesou a mão na repressão aos protestos de junho. Daí a ser acusado de ditatorial vai uma distância que não pode ser percorrida sem atropelar a realidade.

    Agora, Erdogan deu um passo liberal, ao levantar a proibição do uso do véu islâmico, exceto no Poder Judiciário e nas Forças Armadas. Mas a oposição o acusa de ter uma agenda islâmica oculta, como se ele tivesse obrigado as mulheres a usar o véu. Autoritária era a proibição anterior, decretada pelos laicos.

    O preconceito contra os partidos islâmicos é um péssimo sinal para a democracia no mundo muçulmano: não dá para haver democracia se a maioria ganha, mas não leva.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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