A Argentina está embaçando o que é, no momento, a prioridade do Mercosul, a de avançar nas negociações para um acordo comercial com a União Europeia.
Brasil, Uruguai e Paraguai já apresentaram propostas para retomar negociações, mas a Argentina ainda não o fez nem dá sinais de que pretenda fazê-lo rapidamente.
Amanhã, aliás, técnicos dos quatro países mais os da Venezuela (que não entra por enquanto na negociação com os europeus, pois ainda não está plenamente integrada ao Mercosul) reúnem-se em Caracas para comparar as respectivas propostas.
Da comparação deve nascer a definição de a quais setores pode-se aplicar a TEC (Tarifa Externa Comum, ou seja, a taxa de importação que cobram de países externos ao conglomerado).
A hesitação da Argentina, temerosa de submeter seus produtores à concorrência com europeus, foi o principal tema que levou o presidente uruguaio José Mujica a viajar, repentinamente, a Brasília e Caracas.
O Uruguai, com pleno apoio do Brasil e do Paraguai, tem o maior interesse em acelerar o acordo com a União Europeia, mas "a Argentina vive uma realidade diferente", como diz, diplomaticamente, Diego Cánepa, subsecretário da Presidência uruguaia.
O mal-estar com a Argentina é tanto que Mujica está explorando a possibilidade de adiar a cúpula semestral do bloco, que deve realizar-se em dezembro em Caracas (a Venezuela é a presidente de turno do Mercosul).
Mujica joga com um belo pretexto para o adiamento: Cristina Kirchner está proibida, por enquanto, de viajar de avião, único meio para ir de Buenos Aires a Caracas.
Mas, primeiro, há ainda tempo suficiente para que a mandatária argentina receba alta definitiva e possa viajar. Segundo, nas circunstâncias, ninguém ficaria ofendido se a Argentina fosse representada por algum alto funcionário (o vice-presidente, Amado Boudou, é marginalizado pelo kirchnerismo e não seria, pois, uma boa indicação).
Pretexto à parte, a cúpula só teria realmente sentido se fosse para conciliar posições a respeito da negociação com a Europa. Se a Argentina hesita, o encontro de Caracas acabaria expondo a fratura entre Uruguai e Argentina, de que Mujica queixou-se em Brasília, no encontro com Dilma Rousseff.
Há, de um lado, a rejeição uruguaia ao ultimato dado pela Argentina para cancelar a autorização para o aumento da produção de pasta de celulose de uma fábrica situada às margens do rio Uruguai, que os dois países compartilham.
Mujica queixou-se a Dilma de que, aparentemente como retaliação, o governo argentino proibiu que barcos do país façam traslado de mercadorias ao passar pelo porto de Montevidéu, o que afeta um quarto do movimento do porto.
Nesse ambiente, qualquer cúpula perde de fato o sentido. E começa a se intensificar o movimento para que cada país do Mercosul apresente sua própria proposta aos europeus, sem uma lista conjunta.
Dá para entender por que, no governo brasileiro, se diz que "a Argentina está atrapalhando todo o mundo"?
É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.