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    Clóvis Rossi

    O Chile, as urnas e a rua

    17/11/2013 02h00

    A socialista Michelle Bachelet se elegerá presidente do Chile ou hoje ou no segundo turno, no mês que vem.

    Ganhar nas urnas, no entanto, será a parte fácil de seu percurso. Difícil será ganhar da mobilização popular -especialmente estudantil- que ela própria já antevê:

    "O Chile mudou e se tornará mais difícil governar para qualquer presidente. Se não formos capazes de fazer as mudanças, e as pessoas começarem a tomar as ruas, não será responsabilidade de uma presidente, mas de um sistema político incapaz de responder aos desafios do Chile".

    Sebastián Piñera, o presidente que Bachelet vai substituir, perdeu a rua e, com isso, inviabilizou a possibilidade de fazer o sucessor. O máximo que pode conseguir é levar ao segundo turno a candidata do conservadorismo, Evelyn Matthei.

    De Piñera para um quase certo novo governo Bachelet, os estudantes se radicalizaram. A líder socialista trouxe o Partido Comunista para a sua coligação, a "Nova Maioria", e com ele veio a musa do protesto estudantil, Camila Vallejo, agora candidata.

    Não resolve. Melissa Sepúlveda, que acaba de ser eleita presidente da Federação dos Estudantes da Universidade do Chile, principal centro estudantil, avisa: "Estamos colocando a necessidade de mobilização e do fortalecimento das organizações sociais e políticas surgidas nos últimos anos, seja qual for o governo a ser eleito. Vemos com desconfiança histórica e apoiada em mobilizações passadas as possibilidades reais de transformação por um governo da Nova Maioria".

    Se Camila é comunista, Melissa se assume como anarquista, mais à esquerda ainda e mais inclinada a ganhar as ruas, sem falar no uso da violência. A propósito: dois anarquistas chilenos acabam de ser presos na Espanha, acusados de colocar uma bomba na catedral de Zaragoza.

    Não é à toa, portanto, que Bachelet tenha como prioridade 1 a reforma educativa, para tornar o ensino grátis, e como prioridade 2 uma reforma tributária que lhe permita elevar de 20% para 25% o imposto às grandes empresas, exatamente para financiar a gratuidade educacional.

    Achar que o movimento estudantil é insuficiente para desestabilizar um governo é miopia. Para financiar os estudos universitários, transformado pela sabedoria convencional em porta de entrada para o paraíso, os estudantes e suas famílias se endividam de uma maneira que, com o tempo, se torna insustentável.

    A sociedade toda, portanto, acaba se envolvendo com a reivindicação da moçada, o que lhe dá a dimensão de problema principal a ser encarado pelo governo, qualquer que seja.

    Por isso, está em xeque o próprio modelo chileno, estável e de bom crescimento (5,5% na média dos anos Piñera contra pouco mais de 4% nos anos Lula no Brasil): a mais recente pesquisa do Latinobarômetro mostra que menos de 20% dos chilenos acham que o governo age em benefício de todos, um dos piores resultados na América Latina.

    É essa percepção que Bachelet terá que mudar se quiser ganhar também na rua.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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