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    Clóvis Rossi

    O Brasil 'bipolar' vem a Davos

    23/01/2014 03h26

    DAVOS - Marcelo Neri, o economista que chefia a Secretaria de Assuntos Estratégicos, lamenta que o Brasil viva o que chama de "situação bipolar": uma boa parte do empresariado está pessimista com os rumos da economia, ao passo que o que Elio Gaspari chamaria de "andar de baixo" está satisfeito com a inclusão ocorrida nos últimos anos.

    O ideal, para Neri, seria que "pessimistas fossem menos pessimistas, e otimistas menos otimistas".

    A segunda parte da equação é inalcançável, brinca o ministro, na medida em que "o brasileiro foi heptacampeão mundial de otimismo" (ficou em primeiro lugar na pesquisa Gallup sobre a satisfação com a própria vida, entre 2006 e 2012).

    Em 2013, no entanto, as coisas mudaram ligeiramente: houve uma queda na satisfação, para o 18º lugar no mundo, coincidindo com as manifestações de junho. Mas, já em outubro, de 0 a 10, o brasileiro dava 7 para a sua satisfação com a vida, o terceiro lugar no planeta.

    O ministro tem uma explicação para a "bipolaridade": economistas e executivos costumam olhar muito para o PIB, que, de fato, está crescendo mediocremente, como disse ontem a mexicana Alícia Bárcenas, secretária-executiva da Cepal, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe.

    Já o comum dos mortais olha para a sua própria vida e vê que ela melhorou nos últimos anos, inclusive no ano passado: enquanto o PIB per capita, até novembro, crescia apenas 1,8%, a renda mediana subia 5,2%.

    Como, então, explicar os protestos de junho? Para Neri, "a casa melhorou, mas o seu entorno [leia-se: serviços públicos] não. As pessoas querem uma outra agenda, após o crescimento com redução da desigualdade".

    Neste ponto, uma observação pessoal que já fiz várias vezes ao hoje ministro e da qual ele não discorda: caiu a desigualdade entre salários, mas não entre o rendimento do capital e do trabalho, até porque é muito difícil medir o primeiro desses rendimentos.

    E os rolezinhos? Neri admitiu, em mesa-redonda ontem em Davos: "Não acho que saibamos o que está acontecendo".

    Mas, em conversa com jornalistas, arriscou palpites: primeiro, a sociedade está muito mais interligada, do que decorre o uso das redes sociais como ponto de referência para os rolezinhos, e "a população jovem nunca foi e nunca mais será tão grande como agora".

    É desse Brasil "bipolar" que Dilma embarcou ontem para se apresentar amanhã a uma parte do público, inclusive estrangeiro, que está majoritariamente entre inquieta e pessimista sobre o Brasil.

    Palpite meu: se ela focar sua fala na sessão plenária e na conversa reservada com executivos no "feel good factor", esse sentir-se bem do andar de baixo, não vai desfazer o mal-estar. O que o povo de Davos quer são certezas sobre a situação fiscal brasileira, ou seja, sobre as sobras para pagar a dívida.

    Não por acaso, esse tema apareceu no primeiro lugar entre os riscos globais medidos por uma grupo de peritos para o Fórum Econômico Mundial, ao lado do crescimento da desigualdade.

    crossi@uol.com.br

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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