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    Clóvis Rossi

    Venezuela, democracia sitiada

    16/02/2014 03h00

    Tempos atrás, a Human Rights Watch, importante ONG dedicada à defesa dos direitos humanos, emitiu extenso relatório sobre a Venezuela, para denunciar que, embora o país se mantivesse dentro de parâmetros democráticos, o regime chavista (Hugo Chávez ainda era vivo) estava comendo a democracia pelas bordas.

    Nos últimos dias, o chavismo, agora comandado por Nicolás Maduro, deu mais algumas colheradas rumo ao centro do prato, ao ordenar a perseguição aos líderes opositores Leopoldo López e Maria Corina Machado, supostamente responsáveis por incitar a violência ao convocarem protestos que foram, na prática, comandados pelos estudantes.

    Em qualquer país com teor adequado de democracia, convocar manifestações contra o governo faz parte dos deveres da oposição. Só na Venezuela, sitiada por tremenda crise econômica, é que se pode confundir protestos legítimos com ação golpista. Dá a nítida sensação de que o governo, incapaz de dar respostas às demandas dos estudantes (menos inflação, mais segurança, por exemplo), usa o surrado truque de gritar "é golpe".

    Mas, atenção, por mais legítima que seja a convocação de protestos, parte da oposição não é exatamente santa. López e Maria Corina lideram a corrente mais radical, que prega "La Salida", ou seja, ocupar a rua para pôr o governo contra a parede e forçar sua saída, ao passo que Henrique Capriles, o candidato presidencial duas vezes derrotado, prefere insistir na via eleitoral, que só oferece uma saída, se tudo der certo, a partir do ano que vem.

    A divisão da oposição só torna o quadro mais complicado, no momento em que a Venezuela tem o risco-país mais alto do mundo. Tem que pagar juros 14,6 pontos percentuais acima da taxa dos Estados Unidos, o país que se financia ao menor custo no mundo. Para comparação: a média nos países latino-americanos, que não são exatamente paraísos de estabilidade, é de apenas 4,6 pontos percentuais acima do paradigma norte-americano.

    Significa que os investidores apostam em que a Venezuela não conseguirá cumprir seus compromissos, o que é compreensível quando se sabe que, nos 12 meses até o dia 12 passado, o Banco Central havia perdido 27% de suas reservas, agora estacionadas em alarmantes US$ 20,525 bilhões.

    Pulemos para a inflação: só em janeiro, os preços subiram 3,3%, levando o total em 12 meses para 56,3%, o mais alto índice da América Latina e um dos mais altos do mundo.

    Olhemos agora o desabastecimento: os dados do Banco Central informam que, em janeiro, o índice que mede a escassez de alimentos básicos bateu em 26,2%, oito pontos acima do registrado em janeiro de 2013.

    É evidente que a economia venezuelana está derretendo. Seria estranho que os estudantes e a oposição ficassem quietinhos em seus cantos, sem convocar protestos ou acenar com "La Salida".

    O problema é que o aceno é vazio, pelo menos na visão de Capriles, para quem, "para dobrar o poder, você tem que ser maior que eles, e isto [a oposição] não crescerá se defendermos saídas que não levam a nada".

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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