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    Clóvis Rossi

    Cabe um pacto no Brasil?

    25/03/2014 02h20

    Faz alguns anos, o notável filósofo que é Renato Janine Ribeiro escreveu um artigo para defender o entendimento entre os dois grandes adversários políticos, PT e PSDB, no pressuposto de que são os dois partidos realmente com substância existentes no Brasil.

    José Dirceu rebateu logo, na mesma revista ("Interesse Nacional", salvo erro de memória), rejeitando a ideia.

    Lembrei-me do artigo ao ler os comentários sobre a morte, no domingo, de Adolfo Suárez, que foi presidente do governo espanhol na saída da ditadura, nomeado seis meses após a morte do generalíssimo Francisco Franco Bahamonde, em novembro de 1975.

    Suárez foi um dos últimos estadistas do século passado. Pilotou com brilho a transição do autoritarismo para a democracia, tarefa titânica se se lembrar que, apenas 40 anos antes, a Espanha vivera uma guerra civil que a dividira em dois.

    Digo APENAS 40 anos porque, se no Brasil um golpe militar ainda divide opiniões 50 anos depois, imagine as feridas abertas por uma guerra civil que deixou cerca de um milhão de mortos. Um dos melhores livros sobre esse episódio, do jornalista Herbert Matthews, chama-se, eloquentemente, "Metade da Espanha morreu".

    Voltemos a Suárez. Dele escreveu ontem "El País" em editorial: "Suárez foi quem mais utilizou o diálogo e o consenso como método para resolver as crises de Estado, e o melhor intérprete de um espírito que antepõe o interesse geral do país ao de cada uma de suas frações."

    Foi de Suárez a liderança dos chamados Pactos de Moncloa (sede do governo espanhol), "convertidos na primeira e única iniciativa compartilhada por forças políticas, empresariais e sindicais para enfrentar uma crise econômica", de acordo com "El País".

    Volto agora ao devaneio de Renato Janine Ribeiro para perguntar se não é hora, no Brasil, de algo como os Pactos de Moncloa.

    Não que o Brasil viva, hoje, as dificuldades e a delicada transição da Espanha dos anos 70. O Brasil completou a sua transição, por mais que a sua democracia seja obviamente imperfeita.
    E as dificuldades econômicas não são extraordinárias se há quase pleno emprego e aumento da renda.

    Mas parece igualmente evidente que o país precisa de um conjunto de reformas se quiser obter o crescimento elevado, com justiça social, que é o que todos afirmam desejar.

    O modelo atual, bom ou ruim ao gosto de cada qual, dá todos os sinais de esgotamento. Claro que não há consenso em torno de quais reformas são necessárias para superá-lo sem desandar o que já se caminhou no bom caminho, ou seja, em termos de combate à inflação e de redução da pobreza.

    Parece haver consenso, em todo caso, em torno da necessidade de uma reforma, a tributária, apontada como prioritária tanto por Lula como por Fernando Henrique Cardoso, em entrevistas à Folha, nas vésperas da eleição de 1994.

    É exemplo de uma área em que apenas um amplo consenso, tipo Moncloa, entre forças políticas, empresariais, sindicais e sociais permitiria levar a bom termo.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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