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    Clóvis Rossi

    Venezuela, um pequeno passo

    30/03/2014 03h00

    Do ponto de vista do governo brasileiro, a missão da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) à Venezuela foi bem-sucedida, embora tenha sido apenas um primeiro passo.

    O objetivo era tentar brecar a extrema polarização e, por extensão, criar condições para um diálogo entre o governo e os opositores.

    O comunicado oficial do grupo afirma que se deu início ao processo: "A Comissão [de chanceleres] registrou a disposição ao diálogo de todos os setores, os quais manifestaram a necessidade de moderar a linguagem, gerando assim um ambiente pacífico que favoreça as conversações entre o governo e os diferentes atores políticos, econômicos e sociais do país".

    Compare essa afirmação com a análise de Carlos Malamud, principal pesquisador para Iberoamérica do Real Instituto Elcano (Espanha) para o site Infolatam:
    "O futuro da Venezuela é incerto sobretudo porque os canais de diálogo estão fechados devido a que os setores mais extremados de ambos os lados, oposição antichavista e chavistas, se empenham em fechá-los. A solução dialogada é cada vez mais impossível pela radicalização dos protestos de um lado e pela crescente repressão do regime, de outro lado". Se, como diz a Unasul, a "solução dialogada" ficou menos impossível, ótimo.

    Agora, sempre segundo a Unasul, trata-se de encontrar "uma testemunha de boa fé que facilite o diálogo entre todas as partes".

    No Itamaraty, há urgência em dar esse segundo passo.

    Conseguir um intermediário que seja aceito como de boa fé por todos será um avanço formidável, se se considerar que, até aqui, o governo criminaliza a oposição e a oposição (parte dela pelo menos) quer derrubar um presidente legítimo, por mais que tenha dado derrapadas institucionais graves.

    É significativo o fato de Nicolás Maduro ter permitido que a Unasul mantivesse contatos com a MUD (Mesa de Unidade Democrática, o conglomerado opositor). Afinal, a MUD excluiu-se do diálogo nacional convocado pelo governo, o que mostra sua desconfiança em relação ao chavismo. Se aceitou dialogar com a Unasul, embora vista inicialmente como muito pró-chavismo, é porque ela também não tem força suficiente para alcançar o objetivo máximo (derrubar Maduro).

    Logo, como dizia o governo brasileiro desde antes da missão, o único caminho é o diálogo. Pelo que a Folha ouviu no Itamaraty, todas as partes mostraram "boa fé", o que significaria, se a impressão corresponde aos fatos, que a predisposição ao diálogo não é mero jogo de cena.

    Em todo caso, é preciso esperar para ver porque não será uma visita de 48 horas de uma entidade externa que desarmará os espíritos e desfará o ambiente bem analisado por Carlos Malamud.

    De todo modo, à margem da missão Unasul, Maduro deu outra demonstração de aceitar a realidade, ao promover enorme desvalorização do peso por meio de um terceiro mecanismo cambial.

    Resta agora reconhecer que não é possível lidar com a metade da Venezuela que vota na oposição apenas com o uso da força.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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