A Unesco, o braço da ONU para Educação, Ciência e Cultura, promoveu ontem o "Dia Internacional de Reflexão sobre o Genocídio de 1994 em Ruanda".
Tarde demais. A comunidade internacional deveria ter refletido antes e, acima de tudo, agido para evitar que o genocídio no país africano se reproduzisse em outras partes, como está ocorrendo agora na Síria.
Em Ruanda, entre abril e julho de 1994, 800 mil pessoas foram assassinadas, em uma ofensiva da etnia hutu sobre os minoritários tutsi, embora tenham morrido também incontáveis hutus moderados, opostos ou omissos em relação à carnificina. Cerca de 500 mil mulheres foram violentadas.
Pulemos agora para os tenebrosos números da Síria, 20 anos depois:
Segundo as Nações Unidas, são 140 mil mortos nos três anos que já dura o conflito entre as tropas do ditador Bashar al-Assad e uma heterogênea coalizão de forças opositoras. Postas em proporção as respectivas populações, equivaleria, no Brasil, a 1,4 milhão de mortos, claramente "um genocídio em câmera lenta", para usar definição de Lina Sergie Attar para o "New York Times".
Só no Líbano, o número de refugiados sírios já bateu na impressionante casa do milhão, o que dá um quarto da população libanesa.
"O ingresso de um milhão de refugiados seria maciço em qualquer país. Para o Líbano, uma pequena nação perturbada por dificuldades internas, o impacto é espantoso", diz Antonio Guterres, o alto comissário para refugiados da ONU.
Somando os sírios que fugiram para o Iraque, o Egito, a Jordânia e a Turquia (e até para o Brasil), já são 2,6 milhões de refugiados, mais de 10% da população. Somem-se a eles 6,5 milhões de refugiados internos e se tem quase a metade da população fora de seus lares habituais.
A Unicef, outro braço da ONU, este para a infância, diz que a Síria é hoje um dos mais perigosos lugares da Terra para as crianças. Cerca de 2 milhões de crianças necessitam suporte psicológico e outros 2,8 milhões não podem frequentar escola em consequência do conflito –o que significa que, mesmo que o genocídio cessasse hoje, seus efeitos deletérios projetar-se-iam no futuro.
O que faz a comunidade internacional, agrupada na ONU? Respondem Francisco Rey Marcos e Jesús Núñez Villaverde, codiretores do Instituto sobre Conflitos e Ação Humanitária (Espanha), em artigo para "El País": "A ONU continua sendo um ator secundário no cenário internacional, sem capacidade para cumprir a tarefa para a qual foi criada, a de evitar o flagelo da guerra para as futuras gerações".
O pior é que a ONU aprovou um instrumento, em 2005, apto para evitar tragédias como a da Síria. Chama-se "Responsabilidade de Proteger" e estabelece que, se um Estado não garante adequadamente a segurança de seus cidadãos, cabe à comunidade internacional assumir a tarefa, inclusive com o uso da força.
Se o caso da Síria não se enquadra nessa norma, nenhum outro o fará.
Não cabe outra conclusão: o mundo é de novo cúmplice de um genocídio, 20 anos após Ruanda.
É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.