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    Clóvis Rossi

    Ucrânia cairá no colo do Brasil

    10/04/2014 03h00

    Em recente reunião de acadêmicos dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), um dos representantes russos defendeu a provocativa ideia de realizar em Ialta a cúpula do grupo em 2015, que será na Rússia.

    Ialta, como se sabe, fica na Crimeia, que é o epicentro da mais grave crise entre o Ocidente e a Rússia desde o fim da Guerra Fria.

    Para levar o caráter provocativo mais além, Ialta foi também o cenário para uma conferência entre a então União Soviética, os EUA e a Grã-Bretanha, na qual se decidiu, em 1945, a divisão do mundo em zonas de influência entre Ocidente e URSS.

    A proposta do russo, agora, poderia ser lida como uma tentativa de reproduzir o esquema de 1945, com os Brics funcionando como contraponto ao Ocidente.

    Não se sabe se o governo russo encampará a proposta do acadêmico e a apresentará na cúpula deste ano, em julho, em Fortaleza.

    De todo modo, o episódio demonstra, claramente, que a crise na Ucrânia acabará por pousar na cúpula de Fortaleza, gostem ou não os anfitriões brasileiros.

    Por isso mesmo, a diplomacia brasileira está fazendo malabarismos ao iniciar os contatos finais para a realização da cúpula, o que implica definir mais nitidamente a agenda. O Itamaraty não quer desagradar Vladimir Putin, mas tampouco quer que ele use a plataforma Brics como aval para a anexação da Crimeia ou, pior ainda, para novas aventuras na Ucrânia.

    Por isso mesmo, o governo brasileiro está sendo extremamente pusilânime no tratamento da crise ucraniana. Soltou uma nota absurdamente anódina a respeito e, na ONU, se absteve na votação de moção que condenava a anexação da Crimeia. Ou seja, foi incapaz de decidir se a anexação é legítima ou se contraria a legislação internacional.

    Os outros Brics também se abstiveram, exceto, é claro, a própria Rússia que votou contra.

    Putin interpretou, corretamente, a abstenção como favorável à Rússia. Teria sido terrível se parceiros em um bloco como os Brics seguissem a maioria da Assembleia-Geral da ONU e votassem contra a anexação, acompanhando o Ocidente.

    É razoável imaginar que Putin aproveitará a cúpula de Fortaleza para tentar obter algum tipo de apoio mais explícito.

    Para o Brasil, é uma complicação. A diplomacia brasileira está consciente de que os Brics são um grupo sem o mais leve traço de institucionalização. Nenhum de seus integrantes consulta o outro para definir posições a respeito do que quer que seja –exceto, como é óbvio, quando se trata de decisões internas ao bloco.

    A propósito: é bem possível que a cúpula de Fortaleza marque o nascimento do banco de desenvolvimento dos Brics, em gestação há vários anos.

    É o máximo de coordenação a que pode chegar o grupo, que já não brilha como nos seus primórdios. Ainda mais agora que a Rússia não é vista como boa companhia em razão das dificuldades econômicas agravadas pela crise na Ucrânia. Quem gosta de ser parceiro de um país que perdeu US$ 150 bilhões a partir da crise?

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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