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    Clóvis Rossi

    A guerra (perdida) de US$ 1 trilhão

    08/05/2014 02h00

    Um dia depois de o presidente uruguaio José Mujica assinar a regulamentação do uso da maconha, a badalada London School of Economics lança o grito: "É hora de acabar com a guerra às drogas".

    A LSE divulgou um estudo assinado por um punhado de especialistas, entre eles cinco prêmios Nobel de Economia, sugerindo um novo enfoque para o combate às drogas, hoje centrado quase exclusivamente na repressão (na "guerra").

    O estudo propõe dois enfoques: primeiro, realocar os recursos hoje destinados à guerra para políticas de saúde pública de redução de danos provocados pelo uso de drogas e para tratamento de viciados. Pede que os governos "assegurem completamente os recursos necessários ao pleno atendimento da demanda".

    Redução de danos é, por exemplo, distribuição de seringas para viciados de forma a evitar a contaminação pelo sangue de outros viciados que estejam doentes.

    Segundo enfoque: a experimentação de novas políticas e regulamentações "rigorosamente monitoradas", de maneira "a determinar que políticas funcionam e quais não".

    O exemplo uruguaio é, obviamente, um caso prático de novas ideias. Deve, pois, ser seguido de perto inclusive pelas autoridades brasileiras, para ver se dá certo ou não.

    Não se trata de desprezar ou minimizar os efeitos negativos do uso de drogas, inclusive da maconha, tida como a menos daninha de todas elas. Os riscos foram perfeitamente expostos e analisados no artigo de quarta-feira (7) para esta Folha de Frederico Garcia, do Centro de Referência em Drogas da Universidade Federal de Minas Gerais.

    O problema é que as políticas repressivas até aqui adotadas não foram capazes nem sequer de minimizar os danos, o que torna de sentido comum buscar alternativas, ainda mais quando se propõe que sejam "rigorosamente monitoradas", exatamente para evitar que novas ideias sejam piores que as velhas.

    Não é apenas um problema de saúde pública, mas também econômico. O megainvestidor George Soros, que vem defendendo faz tempo a mudança de enfoque e endossa plenamente o estudo da LSE, calcula que a guerra às drogas custou, até agora, algo em torno de US$ 1 trilhão, com os pífios resultados conhecidos.

    Para comparação: é como desperdiçar um quarto, pouco mais ou menos, de tudo o que o Brasil produz de bens e serviços anualmente (o seu PIB).

    De novo, é de sentido comum procurar aplicações mais eficazes para essa montanha de dinheiro.

    Ainda mais que, como escreve Soros, "a proibição das drogas criou um imenso mercado negro, avaliado em aproximadamente US$ 300 bilhões".

    Esse mercado negro é um gerador de violência, tanto por parte dos cartéis de drogas como de usuários comuns, o que tornou a insegurança um dos fatores mais inquietantes da realidade, especialmente na América Latina. Trata-se, portanto, de uma guerra cara e cruenta. Sair dela não é nada fácil, mas é de crescente urgência.

    crossi@uol.com.br

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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