• Colunistas

    Friday, 03-May-2024 16:56:11 -03
    Clóvis Rossi

    Rezar não é suficiente

    10/06/2014 01h09

    Moises Rabinovici, um dos grandes do jornalismo brasileiro, hoje diretor do "Diário do Comércio", postou sua emoção no Facebook: "Comovente entardecer nos jardins do Vaticano: Papa, Abbas e Peres falam de paz na Terra Santa. Queria que este momento fosse eterno".

    Se o Rabino, como o chamamos seus amigos, curtido intensamente nos conflitos do Oriente Médio, é capaz de se comover com a cena, é porque ela foi muito simbólica.

    Impressão endossada pelo título principal desta segunda (9) do "Times of Israel": "No Vaticano, a paz não ficou mais perto, mas, talvez, deu-se um passo para mais longe da guerra".

    Pena que o momento não será eterno. Sem desprezar o valor da oração, fui testemunha ocular de uma outra prece também simbólica entre um muçulmano e um rabino. Foi em janeiro de 1996, pouco depois de Yasser Arafat ter sido eleito presidente da Autoridade Palestina, em um raríssimo pleito do mundo árabe-muçulmano carimbado como livre e justo.

    O rabino Henry Sobel me convidou para acompanhá-lo a uma audiência com Arafat, na faixa de Gaza. Ao final, Sobel perguntou se Arafat aceitaria acompanhá-lo na recitação do salmo 37.

    Diz: "Não se desencoraje com os que fazem o mal/ Porque eles vão desaparecer/ Confie no Senhor/ E Ele fará sua correção brilhar luminosamente como o sol do meio-dia/ Os maldosos perecerão/ Mas aqueles que servem o Senhor herdarão a Terra/ E se deliciarão na abundância de paz".

    Pena que o que houve depois desse insólito encontro foi tudo menos "abundância da paz". Agora, a paz também não depende de orações. Depende, como disse o papa, da coragem de tomar decisões difíceis.

    E, nesse ponto, a bola está com os dirigentes de Israel. O país ocupa territórios que a ONU outorgou aos palestinos. Foi, além disso, criando fatos consumados no terreno, com a expansão dos assentamentos judaicos nessas áreas. Logo, em qualquer processo de paz, só quem tem o que ceder, em matéria territorial, é Israel.

    Mas seus líderes sentem-se confortáveis com o status quo, desde que o muro construído para separar os territórios palestinos de Israel acabou praticamente com os atentados. Passou a ser possível a Israel fazer de conta que os palestinos são invisíveis. Para que, então, ceder-lhes terras que os judeus mais ortodoxos consideram deles, por direito divino?

    É verdade que uma fatia dos palestinos (o grupo Hamas, que governa Gaza e acaba de ser incorporado ao governo palestino) ainda prega a destruição de Israel, o que não é um obstáculo menor para a paz.

    Mas, como escreve o premiado jornalista judeu Shlomi Eldar para "Al Monitor", o Hamas "está se movendo mais e mais para longe dos artigos de sua própria carta". Mais: "Agora, o Hamas é parceiro de governo de unidade que reconhece a existência de Israel assim como todos os acordos de paz assinados no passado".

    Não é o momento de testar o novo governo palestino e sua disposição de, mais que orar, trabalhar pela paz?

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024