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    Clóvis Rossi

    Mercados não votam. Que bom

    29/07/2014 02h00

    A advertência de economistas do Santander sobre os supostos riscos que corre a economia se as pesquisas continuarem apontando vitória de Dilma Rousseff pode ser lida, paradoxalmente, como um atestado de solidez da economia brasileira.

    Explico: uma advertência semelhante foi feita pelo megainvestidor (ou megaespeculador, ao gosto de cada qual) George Soros, mais ou menos na mesma altura da eleição de 2002.

    Soros disse à Folha que, se Serra não ultrapassasse Luiz Inácio Lula da Silva, desatar-se-ia o caos nos mercados. Acertou. O dólar, por exemplo, subiu 35% entre o dia de junho em que foi publicada a sinistra previsão, e dezembro, véspera da posse de Lula.

    O risco-país, que mede quanto um dado país tem de pagar a mais de juros sobre as taxas cobradas pelos EUA, estava nos 1.181 pontos quando Soros fez a afirmação. Em dezembro, saltara para 1.421 pontos. Os juros básicos foram de 18,5% para 25%.

    A inflação, pelo IPCA (índice que o governo usa para suas metas), multiplicou-se quase por 14, entre maio e dezembro.

    Agora, no entanto, o alerta do Santander, rapidamente "deletado", só faz cócegas nesse tipo de indicadores. E é lógico que seja assim: em 2002, o programa do PT realmente podia assustar os tais mercados, o que justificava, do ponto de vista deles, o "terrorismo" contra a candidatura Lula.

    Não por acaso, o PT usou a palavra "terrorismo" para caracterizar agora a nota do Santander (para a previsão de Soros, José Dirceu preferiu "chantagem"; dá mais ou menos na mesma).

    De lá para cá, no entanto, os governos petistas tornaram-se tão "market-friendly", para usar o jargão dos mercados, que se torna patético repetir Soros com 12 anos de diferença.

    Ainda bem que os mercados não votam, tanto que perderam o pleito de 2002. Seria lesivo à democracia se um segmento social pudesse impor sua vontade aos demais. Mas seria lesivo aos próprios mercados.

    Afinal, como Lula repete sempre, os empresários –parte vital dos tais mercados– jamais ganharam tanto dinheiro como em seus oito anos, afirmação que se pode estender, tranquilamente, aos quatro anos seguintes, de Dilma Rousseff.

    Fechando o foco só nos rentistas (portadores de títulos da dívida pública), o governo Lula lhes repassou um mínimo de 2% do PIB (2009) a um máximo de 3,79% (2005). Para comparação: os pobres, que recebem o Bolsa Família, jamais levaram mais que 0,5% do PIB.

    Além de patético, o comportamento de tais agentes de mercado é covarde. Em 2002, Soros tanto fez que conseguiu que o Council on Foreign Relations me banisse de suas atividades. Alegou que a conversa que tivera comigo fora "off the records", o jargão para não citação da fonte.

    Na verdade, o "off" cobria o tema do seminário em que coincidimos (terrorismo), mas nunca poderia se estender a uma conversa sobre Brasil, em jantar pós-seminário. Agora, o Santander desmentiu seus economistas. É o clássico modelo de atirar pedras e esconder a mão.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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