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    Clóvis Rossi

    Morre um líder, nasce um slogan

    19/08/2014 02h41

    O "Não vamos desistir do Brasil" é a frase mais forte surgida até agora em uma campanha chocha

    Eduardo Campos legou, além de tudo o que se disse dele nestes últimos dias, uma frase de efeito capaz de eletrizar uma campanha.

    Refiro-me, como é óbvio, ao "Não vamos desistir do Brasil", por ele pronunciada no final da entrevista ao "Jornal Nacional".

    Já havia me impressionado ao vivo, como um belo achado. E olhe que se algo que não me comove mais são frases de políticos, de esquerda, de centro, de direita, de cima, de baixo. Mas essa frase é um achado porque coincide com um sentimento aparentemente crescente de desânimo não necessariamente com o Brasil mas, principalmente, com a política convencional.

    As manifestações de junho do ano passado foram uma contundente demonstração de que a política convencional não dava respostas às demandas da sociedade, tanto que os partidos políticos foram expulsos delas. Como política ainda é a única maneira de intermediação entre a sociedade e as instituições incumbidas de atendê-la, desistir da política de certa forma equivale a desistir do Brasil. Ou, ao menos, significa desistir das mudanças que sólidas maiorias dizem desejar, em todas as pesquisas feitas nos 12 meses mais recentes.

    É por isso que o apelo do líder desaparecido soava como perfeitamente oportuno (os críticos de Campos dirão que é oportunista). Tão oportuno que a família, embebida de política desde sempre, e seus correligionários não perderam tempo em pintar a frase em camisetas e faixas, inclusive na que aparecia com destaque em um dos lados do carro do Corpo de Bombeiros que levava o caixão até o cemitério de Santo Amaro. Para que a frase tenha consequências no panorama eleitoral, no entanto, é preciso que seja encampada por Marina Silva, assim que ela assumir a candidatura presidencial. Seria inconcebível que outros candidatos a usassem.

    Mas tem-se aí um sério problema para a ex-senadora. Para que seja efetiva como instrumento eleitoral, é preciso que a frase seja teatralizada durante a campanha. Não, não estou defendendo a teatralização da política. Sou contra, mas não adianta: desde sempre, o teatro é parte relevante das campanhas eleitorais, às vezes a parte decisiva.

    Vide o caso Fernando Collor de Mello, que carnavalizou o rótulo de "caçador de marajás" e ganhou a eleição, apesar de seu teatro não passar de grosseira empulhação. Marina não tem nem o cacoete nem o "physique du rôle" para teatralizar uma frase forte como essa. Aliás nem Dilma Rousseff nem Aécio Neves têm um ou o outro. Luiz Inácio Lula da Silva teria, se fosse candidato (não, não estou defendendo a candidatura Lula; apenas constato fatos).

    De todo modo, a pesquisa Datafolha publicada nesta segunda-feira (18) demonstra que Marina não precisa de uma frase de efeito para ser candidata competitiva. Mas é possível que suas intenções de voto estejam anabolizadas pela comoção provocada pela morte de Eduardo Campos.

    A frase do líder morto talvez permita, se bem usada, trocar comoção por emoção em uma campanha até aqui bastante chocha.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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