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    Clóvis Rossi

    Um certo ar de Ciro Gomes-2002

    02/09/2014 02h00

    Marina Silva ganhou a capa da edição desta segunda-feira, 1º, do jornal espanhol "El País". Mas, pela primeira vez, o tom é negativo.

    "Bastaram 24 horas para que Marina Silva desse um passo atrás na defesa do matrimônio gay, que havia proclamado na apresentação de seu programa eleitoral", escreve o jornal. Problema, para Marina, que aparece também no comentário de Carlos Malamud, pesquisador do Real Instituto Elcano, para o site Infolatam, especializado em América Latina.

    Malamud constata que a candidata do PSB passará a ser o alvo dos adversários e que apresenta dois supostos (ou reais) flancos débeis: um é a sua falta de experiência e "o outro, sua errática política em defesa de valores morais vinculada à sua condição de crente evangélica".

    Parece evidente que o lamentável escorregão na "defesa de valores morais" representa o fim do passeio no bosque que vinha sendo a irrupção de Marina Silva na cena eleitoral.

    Lamentável por dois lados: pelo caráter "errático" apontado por Malamud, o que permite supor que todo os itens do programa podem ser deletados amanhã ou depois com a mesma facilidade.

    Mais lamentável ainda é a supressão do item que previa a criminalização da homofobia. Não se trata de uma questão ideológica ou religiosa, pela simples e boa razão de que o respeito à vida é essencial e é proclamado por todas as religiões (se praticado ou não é tema para Hélio Schwartsman).

    É possível que Marina, com esse escorregão, tenha iniciado o que os marqueteiros adoram chamar de desconstrução da imagem (no caso, autodesconstrução).

    Remete a Ciro Gomes em 2002, a mais recente eleição em que a tal de mudança impregnou a campanha, naquele ano sob o rótulo de "novidade". Impregnou tanto que Roseana Sarney pulou na frente: em fevereiro, duplicava a intenção de voto em Luiz Inácio Lula da Silva (26% x 13%). Roseana foi "desconstruída" por uma pilha de R$ 1,34 milhão em notas de R$ 50 flagrada em escritório da família.

    Aí, veio a onda Ciro Gomes, que chegou a ter 32% em julho, empatado tecnicamente com Lula (35%). Ciro desconstruiu-se a partir de pequenas e tolas mentiras que contou, entre elas a de que estudara a vida toda em escola pública.

    Terminou com uma votação de apenas 12%, um terço praticamente do pico que alcançara nas pesquisas, e ficou atrás até de Anthony Garotinho. Derrubadas as supostas novidades, acabou dando Lula, que não era novidade (já perdera três vezes) mas era a mudança.

    É óbvio, mas convém sempre dizer, que cada eleição é diferente da outra, o que significa que o que ocorreu em 2002 não vai necessariamente repetir-se agora.

    É preciso esperar as próximas pesquisas para verificar se o escorregão da candidata lhe tirará votos e quantos. Não tenho claro, hoje, se há mais evangélicos conservadores, naturalmente satisfeitos com a guinada, do que críticos da homofobia, naturalmente revoltados com ela.

    De todo modo, hoje por hoje, a única coisa que dá para dizer é que o céu de Marina já não é de brigadeiro.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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