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    Clóvis Rossi

    Após o voto, a quarta agenda

    05/10/2014 02h21

    Ganhe quem ganhe a eleição deste domingo no Brasil, terá que debruçar-se sobre o que o sempre instigante filósofo Renato Janine Ribeiro, professor de Filosofia Política na Universidade de São Paulo, chama de quarta agenda democrática.

    A primeira agenda foi a queda da ditadura, que completa exatos 30 anos no ano em que começará o novo mandato presidencial.

    A segunda foi a estabilização da economia, com o Plano Real, que fez 20 anos este 2014.

    Por fim, veio o início da inclusão social, a grande marca deixada pelo governo Lula e mantida por Dilma Rousseff.

    Vê-se, por essas agendas, como foi tremendamente positiva para o Brasil a plena vigência do regime democrático.

    Mas, sempre segundo Ribeiro, só quando se completar a quarta agenda estará consumado o processo de conversão do Brasil em uma democracia que realmente funcione.

    Qual é essa agenda? É a da qualidade dos serviços públicos em geral, particularmente transportes, educação, saúde e segurança pública - não por acaso a agenda das manifestações de rua de junho de 2013.

    É significativo que outro intelectual instigante, Matias Spektor (Fundação Getúlio Vargas e colunista desta Folha), bata mais ou menos na mesma tecla, em artigo recente:

    "Esta é uma campanha sobre serviços públicos. É uma queixa contra a degradação dos centros urbanos. É uma queixa contra a brutalidade policial. É sobre corrupção e o sentimento de que o sistema político em sua totalidade necessita uma grande restruturação".

    Acrescento uma avaliação do colunista espanhol Antonio Navalón, que estende o olhar para todas as eleições latino-americanas, não apenas a brasileira, para concluir:

    "A Amé­ri­ca bus­ca a si mes­ma. De­seja en­con­trar o equi­lí­brio en­tre os mo­de­los for­ma­is das de­mo­cra­cias tra­di­cio­na­is e o grande des­equi­lí­brio e a grande dúvi­da que pen­de so­bre o fu­tu­ro da América Latina: a de­sigual­dade so­cial".

    Atacar essa ampla agenda é um tremendo desafio, que exige coragem e iniciativas dos governantes, ao contrário do que ocorreu no período de crescimento mundial iniciado em 2003.

    Como aponta Ruchir Sharma, da Morgan Stanley, a crise de 2008 fez com que caísse de 60% para 30% a porcentagem de países que cresciam 5% ao ano ou mais.

    Sharma comenta que, "quando os tempos eram bons, muitos líderes negligenciaram o esforço pelas reformas e por investir sabiamente os ganhos. Como consequência, suas nações lutam agora para sustentar o crescimento".

    E acrescenta que o Brasil (além de Rússia e África do Sul) "viu sua taxa de crescimento desabar para cerca de 1% este ano e sua inflação subir para cerca de 6%".

    Ou seja, o novo governo, seja qual for, terá que recuperar altos níveis de crescimento, fazer reformas que atendam os investidores mas também –e principalmente– cuidar da agenda imposta pela rua.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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